sexta-feira, 30 de julho de 2010

Confiança


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Existem algumas características que, quando fazem parte de uma amizade, tornam-na mais profunda e verdadeira. Como a confiança, por exemplo.

Um verdadeiro amigo é sempre digno de fé, até que se prove o contrário. Ninguém fica à espera de testemunhos e comprovações do que um amigo diz. Um amigo, evidentemente, pode estar enganado, como qualquer criatura, e tem o direito a um falso juízo, um erro de apreciação. Não será desprezado por isso, que é uma consequência da sua humanidade.

As diferenças morais existem, em razão da lei de evolução, mas não serão pretexto de distanciamento entre as pessoas, muito embora a planta da amizade tenha mais chances de crescer no terreno das afinidades, que no das diferenças.

Porém, um grupo mediúnico só pode progredir sobre as bases da amizade mais profunda. E num grupo mediúnico, um requisito básico é a confiança recíproca entre seus participantes. O caráter e a idoneidade dos membros do grupo não serão colocados em dúvida, porque se alguém deu provas de não ser merecedor de absoluta confiança, em primeiro lugar, não deveria fazer parte do grupo...

A grande questão da mediunidade para os grupos que a praticam é a comprovação da autenticidade do fenômeno ou, em alguns casos, a confirmação da identidade do Espírito comunicante. E é comum isto ser colocado acima da amizade, quando se formam "panelinhas" para debater a situação de um determinado componente do grupo, sem a devida consideração e respeito, quando se atira sobre o médium a responsabilidade por comunicações falsas quanto à procedência ou ao conteúdo, buscando até mesmo aventar se a sua conduta moral não vem dando ensejo a que estes fatos aconteçam.

É compreensível que as criaturas céticas e os materialistas por sistema vivam à caça de evidências da origem da comunicação e da lisura do médium, porque eles estão cumprindo o seu papel: eles são os que duvidam.

Nós, espíritas que acreditamos, que nos gabamos de ser aqueles que "não acreditam, mas que sabem" tornamo-nos, frequentemente, mais céticos que os nossos adversários, submetendo médiuns e Espíritos a um nível de desconfiança inadmissível entre criaturas que elegeram o amor como bandeira.

Isto chega a não ser consciente, mas no momento da comunicação, em que o médium necessita do amparo da ligação com o grupo, a crítica e a dúvida surgem, inicia-se o debate mental de idéias, e o ambiente fluídico se ressente de maneira intensa, prejudicando não só o desenrolar da comunicação como o próprio socorro ou atenção que o Espírito merece.

Existe o animismo? Claro. Existe a mistificação? Sem dúvida. Mas acima de tudo, o ser humano. Acima de tudo, a amizade.

Existem grupos onde se vive a patrulhar a conduta uns dos outros, o que nos faz pensar nos sentimentos que lhes inspiraram a formação e nas razões que os mantém juntos.

No entanto, não é o temor, nem o patrulhamento, que haverá de evitar que tais situações venham a ocorrer. Aliás, num grupo onde transita a espontaneidade e a confiança, é muito difícil que a farsa ganhe espaço, pois que ela é reconhecida de pronto, como elemento estranho ao ambiente, e tratada de forma equilibrada, sem provocar maiores estragos.

Se você não confia num grupo mediúnico ou num grupo de Espíritos, não há porque fazer parte dele. Se, a seu ver, não existe segurança quanto às lições e testemunhos que têm lugar na reunião, para quê ouvi-los?

Mas se há sentido e significado profundo nos fenômenos, se os Espíritos confortam e ensinam, e se as pessoas estão unidas por sentimentos sinceros, por que deter-se na incredulidade?

Bons Médiuns


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Um bom médium não é necessariamente um médium perfeito. Aliás, nossas idéias de perfeição estão sempre a nos confundir...

Se um médium se considera perfeito e acabado, no pleno domínio de sua capacidade e conhecedor de todas as nuances do fenômeno mediúnico, o que se pode dizer a seu respeito é que está seriamente iludido. Tal possibilidade inexiste no plano dos presentemente encarnados no planeta Terra.

Se um médium se considera imperfeito, coloca-se em posição de inferioridade e de insuficiência de recursos e estará sempre produzindo aquém de suas reais possibilidades.

Bons médiuns vivem sua mediunidade com liberdade e responsabilidade; sabem que têm muito que aprender e não se furtam às lições; são autênticos na expressão dos fenômenos de que participam e colocam-se disponíveis para o trabalho com a Espiritualidade, cheios de fé e confiança.

Não se pede perfeição (moral) aos médiuns, até porque desejar ser perfeito (no comportamento) pode ser um sintoma da vaidade que tanto empenho se faz por combater. Pede-se que os médiuns confiem no instrumento que Deus lhes colocou nas mãos, fazendo com que produza para o bem geral os frutos do esclarecimento e do alívio das dores da alma.

Afinidade*


Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Não pode haver ligação mediúnica sem afinidade. Afinidades são semelhanças de idéias e sentimentos que se imprimem em nossos perispíritos, formando um retrato vivo daquilo que somos interiormente.

"Dize-me com quem andas... ", repete o povo a sabedoria dos evos.

Dize-me quem és e te direi com quem andas - eis uma outra verdade.

Por mais que tenhamos uma imagem daquilo que somos, um conceito de nós mesmos, nada é mais verdadeiro e incontestável que nossos fluidos. Eles nos colocam em contato com seres cuja constituição se lhes assemelha, uma providência da vida que nos conduz ao autoconhecimento permitindo que nos vejamos espelhados nas criaturas que nos partilham a convivência.

No entanto, esta constatação não servirá para nos manter passivos onde estamos. Dia a dia, construímos nosso mundo mental e emocional, que se modifica e, consequentemente, modifica os padrões com que nos afinizamos.

Buscar a harmonia de sentimentos, manter os pensamentos no bem, ocupar-se de leituras elevadas e ouvir boa música nos ajudam a alcançar uma melhor condição interior, uma nova configuração fluídica, e influencia na categoria dos Espíritos que se achegam a nós.
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*ABC da Prática Mediúnica é um conjunto de 20 orientações para grupos mediúnicos que foram psicografadas no período em que participei de reuniões coordenadas por Cristina Helena Sarraf, às 5as feiras à noite, no Lar Anália Franco (Jundiaí/SP). O autor espiritual é Gilberto, um dos instrutores da reunião. Elas foram publicadas no Jornal do CEM a partir de Março de 2002.

domingo, 25 de julho de 2010

Diferenças entre cachorros e homens *



Por Rita Foelker


Ao lado: Retrato do Duque de Buccleuch
(1771), por T. Gainsborough

O cachorro de Pavlov ficou conhecido devido a uma experiência feita no início do século XX. Segundo informações biográficas colhidas em http://www.netsaber.com.br/, Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) “era filho de um sacerdote e começou a estudar Fisiologia aos 26 anos, depois de ter-se dedicado também à Teologia e às Ciências Naturais. Estudou principalmente a fisiologia da digestão e, sobretudo, realizou investigações com cães, examinando sua salivação e os sucos gástricos. Baseou seus estudos no condicionamento: fez a experiência de alimentar os cães ao som de uma música determinada; posteriormente, ao ouvirem apenas a música, suas cobaias reagiram com secreção de saliva e de sucos gástricos.”
Pavlov provou, por meio desse experimento, que os cães desenvolvem comportamentos em resposta a estímulos ambientes, podendo tais comportamentos ser explicados sem que se precise entender o que se passa no plano mental ou psicológico. Essas conclusões deram material ao behaviorismo – teoria proposta por Watson**– para afirmar que o ser humano aprende essencialmente através da imitação, observação e reprodução dos comportamentos dos outros e que nossas ações são meras respostas ao ambiente externo.
Digamos que Pavlov realmente provou algo: que um cachorro faminto pode salivar diante de um ruído, ou do piscar de uma lâmpada, que ele tenha associado à oferta do alimento.
Dizer, contudo, que esta explicação se aplica aos seres humanos de forma irrestrita, é um erro de raciocínio.
Quando não por outras razões, por duas que analisaremos aqui:
(1) porque nós, seres humanos, lidamos com nossas necessidades de maneira diferente de um cão e
(2) porque podemos aceitar ou ser resistentes à aprendizagem de novos comportamentos, por razões ligadas à educação, às crenças e valores, aos sentimentos, enfim, à personalidade.
As necessidades humanas são inumeráveis e imponderavelmente complexas. Algumas são concretas como comida ou remédio. Outras são abstratas, como atenção, reconhecimento, afeto, companhia.
Uma observação sobre como os seres humanos são conscientes ou não de suas necessidades e de quais padrões desenvolveram para lidar com elas nos dará um quadro da dificuldade de se tratar este assunto em termos simplistas. Alguns desenvolvem formas de manipulação ou chantagem, outros se fazem de “vítimas”, outros sofrem calados, outros vão à busca do que precisam, outros arranjam culpados...
Para mim, por exemplo, quando estou emocionalmente abatida, trabalhar ajuda a recuperar-me. Escrever ou falar com pessoas também funciona. E você, quais são as suas necessidades? De que maneira busca supri-las?
Um ser humano pode até reagir positivamente a algumas tentativas de condicionamento, mas essas ocasiões não podem ser usadas para se estabelecer uma regra ou teoria universal de aprendizagem.
O segundo argumento diz respeito diretamente ao livre-arbítrio. Um ser humano não aprende por resposta automática a estímulos, embora responda a estímulos ambientes de alguma forma. Os comportamentos, atitudes e conceitos, para serem apreendidos, necessitam ser aceitos, quer por coerência com a personalidade, ou porque representam valores, crenças ou ideais importantes, ou porque apontam para a realização de algum interesse ou objetivo, ou por outras razões similares.
Isto se prova ao vermos grandes turmas de alunos que recebem o mesmo conteúdo dentro de uma mesma estratégia de ensino, pelo modo como variam os níveis de apreensão da matéria e os tipos de compreensão dos assuntos tratados.
Entender do que se trata, quando lidamos com seres humanos, é uma exigência da tarefa educacional.
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* Este artigo foi publicado originalmente no site da Fundação Espírita André Luiz, em 16/06/2006.
** John B. Watson (1878 -1958) foi um psicólogo estadunidense, considerado o fundador do behaviorismo ou comportamentalismo. Diz essa teoria que a conduta dos indivíduos pode ser observada, medida e controlada similarmente aos fatos e eventos das ciências naturais e exatas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A impessoalidade do exercício mediúnico *

Na postagem anterior foram citados trechos da orientação abaixo, que reproduzimos na íntegra para conhecimento e análise do leitor

Por Werneck (Esp.)/Rita Foelker

Quando procuramos um médium, não procuramos por ser Rita, Maria ou José. Buscamos determinadas qualidades que tornam o médium mais apto à tarefa que se apresenta. Buscamos, entre os médiuns da mesa, o perfil mais apropriado. Servimo-nos daquele que melhor se adapta à necessidade do momento.

Neste sentido é que dizemos que as ligações mediúnicas mais saudáveis são impessoais.

Se nos ligamos afetivamente aos médiuns com que trabalhamos? Claro! Mas não lhe somos exclusivos, nem ele o é para nós, e não hesitaremos em buscar outro medianeiro mais qualificado para um mister diferente, se esta providência se mostrar cabível.

Espíritos que se ligam aos médiuns por motivos pessoais existem, e não são poucos. Haja vista, toda a gama dos obsessores e subjugadores. Também as afinidades estabelecidas em existências anteriores poderão facilitar o contato com estas criaturas. Mas o bom médium não vive de ligações pessoais com almas familiares ou simpáticas. Ele busca, no estudo e autoconhecimento aliados à humildade, a possibilidade de ser mais útil a uma variedade maior de Espíritos e eficiente numa diversidade de situações.

Aliás, se fazemos alguma distinção com relação aos médiuns é no que tange ao desenvolvimento destas virtudes:

  • o estudo sincero e o empenho real em aprender sobre a mediunidade e as leis espirituais;
  • o conhecimento de si mesmo que diminui a possibilidade de ser enganado por suas próprias fraquezas;
  • a humildade, que evita interferências personalistas do orgulho e da vaidade.

Se existe um médium para preferirmos exclusivamente como instrumento e, não, como ser humano, é este.

Acostume-se, portanto, o médium a não tomar como pessoais as ligações que se estabelecem na reunião, a não se tornar defensor ou acusador da criatura necessitada que o procura para fins de reajustamento íntimo, nem se considere agraciado pela chance de ser intermediário de palavras sublimes.

A prudência pede que se abstenha de comentários que denunciem preferências ou antipatias por esta ou aquela entidade comunicante. O amor abraçará a todos, na medida em que aumentar dentro de nós.

Entregar-se ao serviço mediúnico com bondade e sem acúmulo de expectativas sobre o próprio desempenho e sobre as comunicações recebidas é a melhor maneira de não se ver surpreendido, mais tarde, pela fileira dos equívocos de julgamento.

:o:o:o:

Quando, na sua tarefa habitual, o médium consegue igualmente se desprender de suas exigências e maneirismos pessoais, quando consegue relevar seu desejo de atender somente a determinada faixa de Espíritos em benefício da experimentação e do socorro às criaturas em sofrimento, torna-se facilitador do próprio aprendizado e desenvolvimento.

Quando, ao contrário, fecha-se no limite de mimos e idiossincrasias é ele, mais que qualquer outro, quem perde a oportunidade da lição presente na experiência.

No silêncio de sua alma, cada um sabe o que pode ou não fazer com sua faculdade sem prejudicar a saúde física e emocional. Que ninguém se prejudique com o pretexto de servir, e recorra aos Espíritos orientadores para esclarecer-se e assegurar-se do que é apropriado a cada momento. Mas também, que ninguém se negue a possibilidade de tentar algo novo, por preconceitos ou receios sem maior justificativa que os próprios preconceitos.

Que ninguém busque os louros da glória entre os homens, porque no ponto mais alto do exercício mediúnico encontram-se a abnegação e o desinteresse.

Entender a mediunidade como a moeda recebida em confiança na parábola dos talentos; aplicá-la, não exclusivamente segundo nossos gostos, mas segundo as necessidades da vida; investi-la sem medo, mas com bom senso, e sem distribuição indiscriminada dos seus bens, tudo isto são responsabilidades de todo bom médium.

Unicamente o discernimento e a humildade conferem parâmetros seguros a este exercício, discernimento e humildade que não podem conviver com o personalismo.
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* Esta comunicação foi publicada originalmente no Jornal do CEM - Ano V - Edição nº9 - Fevereiro de 2002

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Mística da Mediunidade *

Mística: conteúdo de uma idéia, causa, instituição etc., ou a atmosfera ou aura de perfeição, verdade, excelência incontestável que as cerca, despertando nas pessoas respeito, adesão apaixonada, devotamento, sectarismo etc. (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa)

Rita Foelker

Quase todos os espíritas que conheço detestam ser considerados místicos e procuram, de muitas maneiras, evitar que as reuniões do centro apresentem qualquer indício que possa caracterizar algum tipo de misticismo. Mas, talvez por sua própria falta de esclarecimento sobre a verdadeira natureza da prática mediúnica, observo que foi criada no meio espírita brasileiro uma mística da mediunidade. Isso mesmo: uma adesão apaixonada, um certo devotamento e alguns sectarismos. Explicada em O Livro dos Médiuns como faculdade inerente ao ser humano, a mediunidade é uma capacidade natural que todos possuímos em maior ou menor grau. Ela nos possibilita perceber a presença dos amigos desencarnados, captar seus pensamentos e, nos casos da mediunidade ostensiva, servir de intermediários de suas manifestações no plano material.
Mas a maioria das casas espíritas não trata o fenômeno mediúnico com esta mesma naturalidade. Algumas evidências do que estou afirmando estão analisadas a seguir.

1) Endeusar alguns médiuns e Espíritos e desconfiar de outros.

Ao nos esquecermos de que a faculdade mediúnica se insere no contexto da humanidade e, portanto, sujeita-se às fragilidades e instabilidades do ser humano, criamos formas de agir que estabelecem a credibilidade absoluta para alguns médiuns e Espíritos e a desconfiança de tudo o que procede de outros.
O médium eleito se torna portador das orientações espirituais para o grupo, e as palavras e idéias transmitidas por ele são acatadas. Não se conversa com os Espíritos, que praticamente nunca são questionados.
Outros (encarnados e desencarnados) são rechaçados antes mesmo de suas comunicações serem conhecidas e analisadas. É comum vermos uma rejeição a priori de obras mediúnicas, porque seus autores não são vistos com "bons olhos" em alguns locais. Este proceder não é lógico nem racional, assim como é ilógica a aceitação incondicional de tudo o que nos chega por intermédio de quem quer que seja, mesmo sendo Chico Xavier.
Se, em vez de eleger médiuns e Espíritos de confiança, tomássemos o cuidado de estudar e analisar tudo o que nos chega através da mediunidade, deste modo seguiríamos a orientação de Kardec.

Fatos

Os Espíritos se aproximam de determinado intermediário por razões diversas: por afinidade, flexibilidade para o tipo de comunicação que deseja transmitir ou grau de desenvolvimento da faculdade.
Diz Werneck, um de nossos orientadores desencarnados: "Quando procuramos um médium, não procuramos por ser Rita, Maria ou José. Buscamos determinadas qualidades que tornam o médium mais apto à tarefa que se apresenta. Buscamos, entre os médiuns da mesa, o perfil mais apropriado. Servimo-nos daquele que melhor se adapta à necessidade do momento."*
De acordo com este pensamento, no ambiente de respeito e sinceridade que precisa reinar nas reuniões, não haveria médium melhor que outro, no que se refere à confiabilidade, pois todos seriam considerados capazes de produzir belas mensagens ou, igualmente, de se enganarem quanto à identidade/qualificação moral do Espírito que com sua ajuda se comunica. Assim, o médium se sentiria liberado do peso da obrigação de infalibilidade e, pondo-se mais à vontade, tornar-se-ia mais eficiente.
Mas quando o grupo cria em torno de um médium uma expectativa que ele não tem como cumprir e, frequentemente por orgulho, tem dificuldade de admitir isso, a atitude científica preconizada por Kardec não pode acontecer. A prática e o seu resultado ficam prejudicados.

2) Considerar as falas ou escritos mediúnicos intocáveis, o que leva a deixar de analisar as comunicações transmitidas.

O Espiritismo no Brasil assumiu feições predominantemente religiosas, o que colocou a mediunidade no terreno do "sagrado". E tudo o que é sagrado, numa comunidade, torna-se admirado e intocável.
O médium, por ser aquele que faz contato com o "sagrado", é visto como um Ser especial.
O Espírito, por nos falar de uma dimensão invisível, é visto como "sagrado".
E o sagrado não pode ser "dissecado" pela ciência ou esmiuçado pela razão, pois é um sacrilégio levantarem-se questões sobre ele ou, mesmo, duvidar.
Pode-se negar que isto existe, mas é um fato observável, até pelas exigências e formalismos que revestem a comunicação mediúnica em algumas casas. Formalismos e exigências que não servem de atestado, nem de legitimidade do fenômeno, nem de identidade do comunicante.
E a quem argumentar que isto ocorre entre as camadas mais ignorantes, o que nem sempre é verdade, eu perguntaria que trabalho de orientação as casas fazem a estas pessoas, já que a situação não é nova e persiste em tantos lugares.

Mediunidade natural

No Capítulo II de O Livro dos Médiuns, em que Kardec fala sobre "O Maravilhoso e o Sobrenatural", todo o seu raciocínio visa mostrar que a mediunidade e os Espíritos são naturais, uma realidade ainda pouco conhecida, mas não extraordinária. Se aprendermos com ele, veremos que ambos são assuntos que podem pertencer ao campo da pesquisa científica e das abordagens filosóficas, e que este entendimento nos traria muitas vantagens.
Uma das vantagens, a de desmistificar a mediunidade e o médium, trazê-los para o campo do estudo mais aprofundado e da análise imparcial.
Outra vantagem é a permissão para que os médiuns sejam tratados como pessoas comuns, sujeitas aos altos e baixos emocionais, e desta forma não se sintam constrangidos em assumir suas dificuldades e em pedir ajuda quanto precisarem.
Pondera Werneck, ainda no texto citado: "se fazemos alguma distinção com relação aos médiuns é no que tange ao desenvolvimento destas virtudes:
  • o estudo sincero e o empenho real em aprender sobre a mediunidade e as leis espirituais;
  • o conhecimento de si mesmo que diminui a possibilidade de ser enganado por suas próprias fraquezas;
  • a humildade, que evita interferências personalistas do orgulho e da vaidade." **

Para o médium, em particular, a grande desvantagem do sectarismo em torno de alguns Espíritos e dele próprio é insuflar suas carências personalísticas, o perigo de torná-lo um dependente da admiração do grupo e impedi-lo de enxergar suas próprias necessidades. Mais companheirismo e menos posicionamentos apaixonados ao seu redor contribuiriam para fazer dele uma pessoa mais equilibrada e, talvez, um melhor medianeiro.

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* Este texto foi publicado originalmente no Jornal do CEM - Ano VIII - Edição nº4 - Setembro de 2004
** Trecho extraído de "A impessoalidade do exercício mediúnico", de Werneck (Esp.), texto publicado no Jornal do CEM de Fevereiro de 2002
*** Idem

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Autenticidade e comprovações pessoais*

Por Rita Foelker

Inúmeras pessoas não acreditam em Espíritos, em fenômenos anímicos ou mediúnicos.
Algumas esperam provas, de preferência produzidas exclusivamente para si, zombando daqueles que consideram crédulos ou ingênuos.
Sobre essas pessoas, diz Kardec: “Os que no Espiritismo unicamente procuram efeitos materiais, não lhe podem compreender a força moral. Daí vem que os incrédulos, que apenas o conhecem através de fenômenos cuja causa primária não admitem, consideram os Espíritos prestidigitadores e charlatães. Não será, pois, por meio de prodígios que o Espiritismo triunfará da incredulidade: será pela multiplicação de seus benefícios morais, porquanto, se é certo que os incrédulos não admitem os prodígios, não menos certo é que conhecem, como toda gente, o sofrimento e as aflições de quem recusa alívio e consolação.”**
E observa, ainda, o Codificador: “Os meios de convicção variam extremamente, segundo os indivíduos. O que persuade a uns não impressiona a outros. Se um se convence por meio de certas manifestações materiais, outro por comunicações inteligentes, a maioria é pelo raciocínio.” ***
Enquanto um olhar atento e uma mente aberta poderiam enxergar evidências da vida espiritual e da fenomenologia espírita por toda parte, continuamos encontrando pessoas que as negam sistematicamente. Talvez, porque o convencimento dependa do grau de entendimento da natureza da realidade espiritual, que só pode advir de um estudo aprofundado das leis universais e de uma observação isenta de paixões e sectarismos.
O que significa comprovar uma ideia ou um fenômeno? Presenciar, ver e tocar seus efeitos? Admitir como razoável, dentro de uma linha de raciocínios lógicos, experimentações pessoais e observações?

Sincronicidade

Muitas das comprovações possíveis, de uma ação inteligente presidindo nossas vidas, ocorrem no campo do que chamamos de sincronicidade.
Criado pelo psicanalista Carl Gustav Jung (1875-1961), em 1929, o termo sincronicidade define um princípio de “ligação não-causal”, ou seja, de ligações significativas entre fatos aparentemente não relacionados entre si.
Fatos sincrônicos revelam o propósito inteligente, evolutivo da vida, orientando e incentivando através de pequenas e simples ocorrências, em geral percebidas somente por aquele a quem se dirigem. Eles podem acontecer (e acontecem) com qualquer pessoa, o que varia é o grau de consciência a seu respeito.
É preciso estar em contato consigo mesmo e com um nível mais sutil de percepção, para constatar que a sincronicidade existe e funciona. Pode ocorrer um fato externo, banal para a maioria das pessoas, mas com um significado subjetivo que descobrimos posteriormente, um significado que conduz a uma nova compreensão ou a percepção de sentidos anteriormente ocultos nas situações da existência.
Os caminhos da Espiritualidade são sutis e delicados. Somente as almas endurecidas pedem provas retumbantes, e ainda assim seriam capazes de delas descrer.
Para o filho de alma sensível, uma flor que nasce no jardim pode ser um recado de sua mãe que partiu, pelos significados e conexões internas que se estabelecem, pela sintonia de afeto que se cria.
Não é curioso que aqueles que mais exigem provas e comprovações sejam aqueles que estão mais longe de percebê-las e de compreender?
É importante deixar claro, porém, que as comprovações pessoais da presença e ação dos Espíritos na existência não excluem a necessidade e nem a possibilidade de obtenção de comprovações objetivas que a ciência espírita obtém diuturnamente.

Quem foi Carl Gustav Jung

Médico psiquiatra suíço, foi o fundador da psicologia analítica. Profundo conhecedor de história e mitologia, suas teorias sobre os tipos psicológicos, o inconsciente coletivo e os arquétipos iluminam vários aspectos não apenas do indivíduo psicossocial, mas do ser espiritual em evolução.
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* Este texto foi publicado originalmente no Jornal do CEM - Ano VIII - Edição nº7 – Dezembro de 2004, com o título "Autenticidade e comprovações", e foi revisado para esta postagem.
** A Gênese, Cap. 15, item 28.
*** O Livro dos Médiuns, “Do método”, item 29.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Os milagres de Jesus, segundo o Espiritismo

Curas de cegos e paralíticos, ressurreições e outros fenômenos extraordinários pontuam a narrativa dos Evangelhos, mas suas causas são naturais e podem ser compreendidas com a ajuda da ciência espírita

Texto inédito
Por Rita Foelker

Ao lado: Santas mulheres no sepulcro (1890), por William A. Bouguereau

Os milagres intrigam. Costumam parecer inexplicáveis e levam a supor que aqueles que os obtêm possuem algum poder sobrenatural. Para o Espiritismo, porém, nada existe de sobrenatural, isto é, nada pode estar acima das leis de Deus, que são todas leis da Natureza.
Como encontrar, então, uma forma racional e científica de compreender tantos fenômenos narrados nos Evangelhos, como a pesca maravilhosa, as curas diversas, a ressurreição de Lázaro?
De fato, existem duas chaves simples para esse entendimento: uma delas é a compreensão de quem é Jesus e, a outra, refere-se às propriedades daquilo que a Codificação chamou de fluidos. Vamos conhecer estas chaves para depois aplicá-las a alguns eventos tidos como milagrosos, no intuito de entender como funcionam.

O fluido calórico e os fluidos espirituais

A ciência resolveu muitos enigmas relacionados às forças consideradas sobrenaturais, como a explicação para os eclipses, por exemplo, que por muito tempo foram considerados eventos mágicos.
Para os fenômenos em que a ação do elemento espiritual é decisiva, porém, precisamos buscar o entendimento das leis que regem a vida psíquica.
Nos diálogos com os Espíritos, Allan Kardec fazia perguntas baseado nas ciências de sua época. Na Física, a teoria aceita para explicar o calor nos séculos XVIII e XIX, era a do fluido calórico. Tratava-se de uma suposta substância transmitida pelos corpos quentes aos mais frios. A idéia de fluido predominava também na compreensão de outros fatos: a eletricidade era a transmissão de fluido elétrico, o imã emitia o fluido magnético, e assim por diante.
Já por volta de 1860, o físico escocês James C. Maxwell propôs que o calor seria um estado de vibração das moléculas, idéia que viria a substituir a do fluido calórico. Os Espíritos, porém, só podiam explicar seus conceitos a partir do que os homens compreendiam por suas ciências. Na época, o que havia na Física eram os fluidos. Os Espíritos explicaram, então, que toda a matéria que conhecemos, e também a matéria imponderável do mundo espiritual, eram transformações de uma só origem, chamada de fluido cósmico universal, a matéria elementar primitiva que se formou no início do Universo e originou todos os corpos e substâncias, sejam eles perceptíveis ou não pelos sentidos materiais.
No seu estado etéreo, que não é detectado por nossos instrumentos, nas suas propriedades e nas suas inúmeras modificações, encontramos o agente de fenômenos que comumente se consideram milagrosos ou sobrenaturais.
Diferente da matéria que conhecemos, eles mudam de forma, se expandem e se contraem ao influxo dos pensamentos, emoções e sentimentos. Há fluidos (a partir daqui chamaremos “fluidos” as substâncias do mundo espiritual) calmantes, excitantes, prejudiciais e benéficos de tantos tipos quantos forem os pensamentos, emoções e sentimentos a eles associados. E a matéria densa, aquela que impressiona os cinco sentidos, não é obstáculo para eles, pois que a atravessam.
Os fluidos permitem a transmissão de pensamentos, sentimentos e emoções entre os Espíritos. No mundo material, uma de suas aplicações mais importantes está relacionada à cura. No mundo espiritual, eles têm para os Espíritos em geral uma aparência tão palpável quanto os nossos objetos do dia-a-dia. No entanto, os que são mais esclarecidos conseguem compreender seu papel, bem como usar suas propriedades para seus propósitos.
Um dos produtos mais importantes derivados dos fluidos é o perispírito, ou o corpo espiritual que todos os Espíritos possuem, o qual também é considerado seu “órgão sensitivo”, responsável pelas sensações que experimenta. O perispírito de um ser encarnado é ligado ao seu organismo molécula a molécula, desde a concepção e enquanto perdurar a vida física, e sua constituição íntima não é idêntica em todos os seres, variando conforme os mundos onde se encontre e a evolução atingida.
Não há, ainda hoje, meios de observação e nem mesmo uma teoria plausível para conceber a matéria do mundo espiritual. Todavia, as explicações dos Espíritos sobre suas propriedades, condições e efeitos são válidos e constituem a base teórica da Ciência Espírita

Jesus, um Espírito superior

O Livro dos Espíritos nos diz que Jesus é o Espírito mais elevado que já encarnou em nosso planeta. Sendo assim, não seria de estranhar-se que realizasse prodígios. Sua superioridade moral e a amplitude de seus conhecimentos das leis naturais tornaria possível fazer coisas que são impossíveis para o nível evolutivo médio da Humanidade terrena. Sobre ele, afirma A Gênese: “A sua superioridade com relação aos homens não derivava das qualidades particulares do seu corpo, mas das do seu Espírito, que dominava de modo absoluto a matéria e da do seu perispírito, tirado da parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres. Sua alma, provavelmente, não se achava presa ao corpo, senão pelos laços estritamente indispensáveis. Constantemente desprendida, ela decerto lhe dava dupla vista, não só permanente, como de excepcional penetração e muito superior à que de ordinário possuem os homens comuns. O mesmo havia de dar-se, nele, com relação a todos os fenômenos que dependem dos fluidos perispirituais ou psíquicos. A qualidade desses fluidos lhe conferia imensa força magnética, secundada pelo incessante desejo de fazer o bem.”

Dupla vista

A dupla vista – ou segunda vista – é um fenômeno descrito em O Livro dos Espíritos que permite ver objetos ausentes como se estivessem presentes e também penetrar nos pensamentos e intenções de outras pessoas ou Espíritos quando se está plenamente acordado. É uma faculdade que se explica pelo fato da visão da alma não ser circunscrita ao corpo físico e não ter localização determinada. Sendo o perispírito o seu órgão dos sentidos, e sendo os fluidos expansíveis e capazes de atravessar a matéria densa, disso decorre que um Espírito pode ter percepções à distância ou através de corpos opacos conforme seja capaz de expandir seus fluidos perispirituais.
A capacidade da dupla vista explica fatos como a pesca maravilhosa e a aceitação imediata e espontânea dos apóstolos ao convite de Jesus para a tarefa de espalhar a Boa Nova.
Conta Mateus que, passando pelas margens do Mar da Galiléia, Jesus encontrou Simão Pedro juntamente com seu irmão André, ocupados em seus afazeres de pescadores. Foi quando lhes fez o célebre chamado, para que o acompanhassem e se tornassem “pescadores de homens”, e eles então deixaram as redes e o pai e o seguiram. Como isso foi possível? Ora, em várias passagens lemos a expressão “Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos...”, o que ocorria porque Jesus conseguia perceber as irradiações desses pensamentos. Ao dirigir-se a Simão e André, o mestre galileu já conhecia suas disposições mais íntimas e sabia que eles o seguiriam.
Dentre os feitos narrados nos Evangelhos, encontramos também outro exemplo de dupla vista: a pesca maravilhosa. Narra o evangelista Lucas que após falar ao povo que se comprimia às margens do lago de Genesaré, Jesus disse a Simão Pedro que levasse seu barco para o mar e lançasse suas redes. Pedro então respondeu-lhe que por toda a noite haviam feito isso, sem nada conseguir. Obedecendo, no entanto, ao Mestre, entrou no mar e conseguiu apanhar tantos peixes que a rede se rompeu.
Kardec explica que “Jesus não produziu a presença peixes onde não os havia; mas que ele viu, com a vista da alma, (...) o lugar onde se achava o cardume e por isso disse com segurança aos pescadores que lançassem ali suas redes”.
A segunda vista explica igualmente a atitude de Jesus perante o beijo de Judas e, na sua entrada em Jerusalém, uma semana antes de sua crucificação, que ele houvesse mandado buscar o jumentinho em um local específico da cidade, a fim de conduzi-lo.

Libertações e ressurreições

Importantes passagens da vida de Jesus narram a libertação de possessos ou endemoniados.
Fala-se no Evangelho de Marcos de um possesso cego e mudo que foi apresentado a Jesus por um grupo, em Cafarnaum, e há também caso do menino endemoniado que espumava e convulsionava e que desmaiou ao ser abandonado pelo obsessor, além de outros mais.
Possessão é um termo que leva a imaginar erroneamente que um ser pode “tomar posse” do corpo de um encarnado e usá-lo a bel-prazer, o que não ocorre de fato. O que ocorre é que um Espírito inferior se identifica fortemente com um outro, encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de atuar conjuntamente com ele. O encarnado, nesse caso, é sempre quem atua, conforme quer, sobre seu corpo, pois um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado, visto que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até o final de sua existência material.
Acresce também que, embora se fale em demônios, criaturas especialmente voltadas a praticar o mal, conforme o senso comum, tratava-se, na verdade, de Espíritos perturbadores ou obsessores, que perseguiam pessoas e que, graças à autoridade moral do Mestre, não podiam resistir à sua vontade e tinham de obedecer-lhe, por isso deixavam em paz os seus perseguidos.
As ressurreições também são fatos surpreendentes da narrativa bíblica. Podemos nos recordar da que ocorreu com a filha de Jairo e também da de Lázaro.
Ao falar em ressurreição, logo pensamos na restituição da vida a quem estava realmente morto, o que seria contrário às leis da natureza. Isso não poderia ocorrer, pois o Espírito que se liga ao corpo no momento da concepção com ele permanece até a morte, não havendo outro jeito de religar posteriormente ao corpo uma alma que dele estivesse totalmente separada. Algumas situações, porém, levam à aparência de morte física, mesmo que o Espírito ainda esteja ligado ao organismo. Lembremos ainda que, à época em que estes fatos ocorreram, era comum interpretar que a ausência de respiração fosse um sinal de morte. No entanto, ao referir-se à filha de Jairo, por exemplo, o próprio Jesus afirma que ela “dorme” apenas, de forma que consegue reanimá-la pelo poder vital de seus fluidos.
Quanto a Lázaro, que estaria sepultado já há quatro dias, compreende-se que ele não estava propriamente morto, mas letárgico. Letargia é um estado de desprendimento do Espírito de seu corpo associado à perda temporária e completa da sensibilidade e do movimento. Lê-se em A Gênese: “Dado o poder fluídico que Jesus possuía, nada de espantoso há em que esse fluido vivificante, acionado por uma vontade forte, haja reanimado os sentidos em torpor; que haja mesmo feito voltar ao corpo o Espírito, prestes a abandoná-lo, uma vez que o laço perispirítico ainda se não rompera definitivamente”.

Curas diversas

As curas são momentos marcantes da missão de Jesus, explicadas pelas propriedades terapêuticas dos fluidos. Embora comumente se pense na fé como uma virtude mística ou religiosa, trata-se de uma força real e atrativa, que age sobre os fluidos e lhes imprime potencialidades curativas.
O apóstolo Marcos nos conta que ao chegar a Betsaida, pediram ao Mestre que tocasse um cego, que ele o tomou pela mão e o levou para fora da vila. Após passar saliva em seus olhos, perguntou-lhe se via alguma coisa, ao que ele respondeu: “Vejo a andar homens que me parecem árvores.”. – Jesus lhe colocou de novo as mãos sobre os olhos e ele conseguiu ver melhor, até ficar perfeitamente curado.
Kardec observa: “Aqui, é evidente o efeito magnético; a cura não foi instantânea, porém gradual e consequente a uma ação prolongada e reiterada, se bem que mais rápida do que na magnetização ordinária. A primeira sensação que o homem teve foi exatamente a que experimentam os cegos ao recobrarem a vista. Por um efeito de óptica, os objetos lhes parecem de tamanho exagerado.” Sendo efeito de leis naturais explicadas pelo Magnetismo Animal, esta mesma forma de curar se repetiria com Mesmer e seus seguidores, no século XVIII.
Para quem acredita que Jesus era especial apenas em função das curas e outros fatos excepcionais que pontuaram sua encarnação terrena, o Espiritismo responde que a verdadeira superioridade de seu Espírito transparece, não nos fatos extraordinários a que deu causa, mas na excelência dos seus ensinos e na doutrina moral que eles transmitem. Escreve o Codificador: “Diante desse código divino, a própria incredulidade se curva. É terreno onde todos os cultos podem reunir-se, estandarte sob o qual podem todos colocar-se (...). Para os homens, em particular, constitui aquele código uma regra de proceder que abrange todas as circunstancias da vida privada e da vida pública, o principio básico de todas, as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça. E, finalmente e acima de tudo, o roteiro infalível para a felicidade.”


Jesus ensinou a seus discípulos o poder da fé

As curas pelo magnetismo são fatos submetidos às leis da Natureza. E a fé surge como elemento decisivo na cura, como no caso do menino obsediado, que foi apresentado aos seus discípulos e eles não puderam curá-lo. Segundo nos conta Mateus, Jesus, teria dito: “Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei eu convosco, e até quando vos sofrerei? Trazei-mo aqui.” Tendo sido libertado do Espírito obsessor e da doença, o menino sarou. Os discípulos, procurando o Mestre em particular, indagaram: “Por que não pudemos nós expulsá-lo? E Jesus lhes disse: Por causa de vossa pouca fé; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível.”


Agradecimento Especial
Ao meu amigo Paulo Henrique de Figueiredo, com quem as muitas conversas sobre a ciência espírita e o Magnetismo Animal ajudaram a produzir este texto.

domingo, 11 de julho de 2010

Peculiaridades do Espiritismo prático*

Quando se fala em Espiritismo prático, em médiuns e mediunidade, pessoas diferentes têm ideias bastante diferentes sobre de que se trata.
Sejam elas espíritas ou não-espíritas.
Primeiro, porque as leis do intercâmbio mediúnico funcionam com ou sem conhecimento profundo das mesmas. Quero dizer que é até possível formar um grupo e iniciar uma reunião de auxílio a Espíritos e encarnados – e efetivamente atingir resultados – sendo ou não um profundo conhecedor dos processos envolvidos e das premissas básicas para uma utilização responsável do potencial mediúnico. Isto, evidentemente, pode conduzir a desvios que não serão abordados aqui. Segundo, porque o principal, que é a intenção sincera, o desinteresse moral e o amor, aliados à faculdade mediúnica, podem ser encontrados em toda parte. Quando percebem nos grupos tais qualidades, bons Espíritos acorrem a estes núcleos e podem, até, suprir sua necessidade de orientação. Afinal, se assim não fosse e se os simples e os iletrados não tivessem acesso aos seus benefícios, a Espiritualidade não conseguiria atuar em tantos lugares e consolar tantos corações.
Agora, há sempre o perigo de a vaidade brotar e pôr o trabalho a perder, ou de surgirem Espíritos oferecendo instruções que contrariam o bom-senso e a boa lógica das manifestações. Por isso, não se recomenda a prática mediúnica sem estudo dos princípios contidos em O Livro dos Médiuns e de uma forte base de compreensão do Evangelho.
Foi dito acima que há muitas idéias diferentes acerca do “que é” e “como” praticar a mediunidade, tanto para quem está familiarizado com os costumes de algum grupo específico, como para quem pouco conhece do assunto. A diversidade de estilos de reunião poderia deixar confuso, a princípio, aquele que decidisse aprender da experiência, visitando diferentes grupos e colhendo informações para formar seu próprio conceito.
Mas há alguns elementos que realmente diferenciam uma reunião mediúnica baseada nas instruções deixadas por Kardec e os Espíritos da Codificação daquelas que encontraram outros caminhos divergentes ou, até, conflitantes. Vamos enumerar alguns:

  1. Numa prática espírita bem fundamentada e potencialmente bem sucedida, empreendida por grupos sérios, há princípios e métodos envolvidos, que surgem da compreensão das leis de Deus e do funcionamento da prática mediúnica.
  2. Não há rituais, objetos ou paramentos materiais, pois tudo o que se pede aos participantes é a preparação da alma pela humildade, amor e desejo de instruir-se.
  3. Há a prece que estreita a ligação com Espíritos elevados, ligação que é necessária para o bom andamento da reunião. A prece constitui também o reconhecimento de que não trabalhamos sozinhos e que não produzimos fenômenos e comunicações úteis apenas pelo nosso desejo e vontade, mas na dependência da ligação com os trabalhadores abnegados do Outro Lado.
  4. Podemos encontrar grupos, não somente de prática e assistência espiritual, que são os mais numerosos, mas também de pesquisa e estudo da mediunidade.
  5. Devido à sutileza do objeto da reunião, o Espírito encarnado e desencarnado e suas afecções, exige-se requisitos em geral ausentes de outros tipos de estudo, pesquisa e prática. O aspecto moral é um dos mais relevantes. Nada nos grupos sérios jamais é feito por dinheiro ou outro tipo de interesse. Quem recebe a ajuda costuma ser desconhecido do grupo de trabalho, inclusive.
  6. Os médiuns são considerados pessoas comuns, companheiros de tarefa e, jamais, a são tratados de forma especial que sugira algum tipo de idolatria à personalidade.
  7. A ajuda ocorre pela ação do pensamento à distância, pela prece em favor dos assistidos e pelo esclarecimento aos desencarnados. Tal auxílio não exige ações materiais daquele que o procura, mas é favorecido pela sintonia de pensamento. Portanto, o que será pedido àquele que busca auxílio é uma atitude de prece e a melhoria nos padrões de pensamento.

Não creio ter esgotado os itens presentes numa boa reunião espírita nos moldes do Espiritismo legado por Kardec, mas imagino ter contribuído para esclarecer alguns leitores a respeito de quais indícios é preciso analisar, ao travar conhecimento com um grupo mediúnico.

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* Este texto foi publicado originalmente no site da Fundação Espírita André Luiz, em 30/10/2006.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Caçadores de mitos e fraudes*

Tanto o ceticismo ferrenho quanto a crença cega são prejudiciais para a compreensão de qualquer conceito

Por Rita Foelker

Os caçadores de mitos e fraudes têm conquistado espaço na TV e na internet.
Há alguns anos um dos mais famosos, o mágico e autor de livros James Randi, lançou um desafio a qualquer pessoa que se considerasse médium ou paranormal, para que se submetesse a testes em condições determinadas por ele. Caso a pessoa conseguisse realizar seu fenômeno em tais condições, receberia U$1.000.000.
O NatGeo, canal de TV por assinatura, apresentou certo tempo atrás uma série intitulada “Verdade ou Mito?”. O site do canal anunciava o programa desta forma: “Verdade ou Mito? vai examinar algumas de nossas crenças mais apreciadas e descabidas. Através da ciência e do velho bom senso, colocaremos essas fábulas à prova até, por fim, derrubá-las.”
As pessoas que duvidam de tudo que não possa ser provado de forma evidente são chamadas de céticas. O ceticismo pode ser uma boa estratégia contra a credulidade excessiva: duvidar daquilo que ainda não está provado para não cair nas armadilhas da ilusão. Mas, às vezes, essa dúvida se transforma numa cruzada apaixonada para demolir crenças e teorias, deixando de ser racional para tornar-se tão dogmática quanto a fé cega. E alguns de seus argumentos podem ser bastante frágeis.
O Ceticismo é um movimento antigo na história da Filosofia e Kardec nos ensina como agir perante os céticos em relação aos fenômenos espíritas.

O Ceticismo na Filosofia e na Ciência

O termo “ceticismo” vem do grego "skêpsis" e significa indagação, exame.
O Ceticismo filosófico é uma atitude do filósofo ou de qualquer pessoa que escolhe examinar seus e conceitos, idéias, percepções e crenças de uma forma crítica, para ver se são absolutamente verdadeiros.
Francisco Saiz, em seu artigo Ceticismo científico x ceticismo dogmático, afirma que “o ceticismo, quando utilizado de forma inteligente e livre de dogmas, permite que não nos contentemos com respostas mal dadas. Nos impele para o sincero questionamento e nos direciona para as descobertas”.
A primeira escola cética foi fundada por Pirro, no século IV a. C.. Para os seus seguidores, examinar, descobrir e concluir não é o mais importante. Sua principal característica é considerar a indagação como um fim em si mesmo.
Inspirado no ceticismo grego e em oposição ao pensamento medieval, o ceticismo ressurge na Renascença, caracterizado pelo individualismo, o pragmatismo e o racionalismo deste movimento. Seu alvo preferido é a religião, que ataca violentamente.
Seu maior representante foi o francês Miguel de Montaigne (1533-1592). Para ele, tudo é incerto: os dados da razão podem enganar, os sentidos não são confiáveis, e só o “eu”, como centro das mais variadas experiências humanas, é digno do seu interesse. Por isso, o individualismo do Renascimento perpassa sua obra e suas idéias.
Ainda na Idade Moderna surge outra importante figura na história do ceticismo, o escocês David Hume (1711-1776).
Seu ponto de partida é que muitas de nossas crenças não possuem uma justificação racional. O que ele pretendia realmente, contudo, não era destruir toda e qualquer crença ou idéia, mas questionar a eficácia da capacidade humana para conhecer o mundo objetivamente.
Tomemos como exemplo o princípio da causalidade que diz que todo o efeito tem uma causa e que, nas mesmas circunstâncias, a mesma causa produz sempre os mesmos efeitos. (É uma versão do princípio espírita da causa e efeito.) O princípio da causalidade, segundo Hume, não passa de uma associação mental entre dois fatos que interpretamos, um como causa, o outro como efeito. Trata-se de uma “ilusão psicológica” ou “hábito mental”.
O Ceticismo científico, por sua vez, relaciona-se ao filosófico. É uma postura científica e prática, em que alguém questiona a veracidade de uma alegação, e procura provar se é verdadeira ou falsa. Para isso, usa o método científico, entendido como um conjunto de normas básicas para validar uma experiência.
Carl Sagan (1935-1996), autor da frase “Devemos ter a mente aberta, mas não tanto que o cérebro caia fora”, é um dos expoentes contemporâneos do ceticismo científico.

Ceticismo na TV

Iniciamos falando sobre programas de TV que se propõem a desvendar as verdadeiras causas de alguns fenômenos tidos como “paranormais” ou “sobrenaturais”.
“Verdade ou Mito?” abordou assuntos como fantasmas, o Pé Grande, os círculos em plantações, os discos voadores, força da mente e a mediunidade.
O roteiro dos programas foi sempre semelhante: havia uma descrição dos fatos e da origem das crenças em torno deles, com testemunhos de algumas pessoas, e então procurava-se estudiosos e cientistas (ou até aventureiros, como no caso dos círculos em plantações) que mostrassem que aquele fato poderia ser reproduzido por meios materiais e sem qualquer intervenção oculta.
Para os idealizadores de “Verdade ou Mito?”, a intenção de derrubar mitos e fraudes parecia ter sido realizada quando, por exemplo, um caça-fantasmas ao investigar uma casa considerada assombrada, disse perceber outros espíritos mas não mencionou o do jovem que se sabia ter desencarnado ali, ou quando as gravações de vozes obtidas no local não eram nítidas o suficiente para se entender com clareza, ou quando as fotografias tiradas pudessem ser reproduzidas em outras condições.
O programa falhou ao ser superficial, ao oferecer como prova “demolidora” apenas uma alternativa, ou fato indicador de fraude ou de causas materiais para a certa ocorrência, mas sem pesquisar outras provas de que tais fenômenos existem e podem acontecer em circunstâncias diferentes. No caso da gravação de vozes inaudíveis, por exemplo, mostra-se uma gravação ruim para demolir toda uma concepção de que os espíritos podem deixar mensagens em fitas magnéticas. Mas a pesquisadores sérios como Sônia Rinaldi, que tem anos e anos de experiências e de casos comprovados, não se oferece a oportunidade de falar.
Como atração televisiva, “Verdade ou Mito?” poderia ter alcançado maior êxito e conseguiria efetivamente separar as verdades dos mitos, se tivesse mais cautela ao analisar o material de que dispõe e melhores critérios científicos ao produzir suas provas.
As fotos e filmes de espíritos e fantasmas recebem o mesmo tratamento. Coloca-se alguém apresentando um truque para obter uma imagem fantasma, que é reproduzido e explicado detalhadamente. Por si só, porém, a possibilidade de haver truques não invalida a possibilidade de se obter tais fotos e filmes sem truques.

Kardec perante os céticos

Se considerarmos o cético uma pessoa que tem uma posição crítica em determinada situação, geralmente por empregar princípios do pensamento crítico e métodos científicos, veremos que ele muito contribui para a investigação científica e filosófica. Devemos salientar que uma dose de ceticismo é benéfica e saudável e que os céticos nos prestam um grande serviço ao desmascararem certas lendas e pseudoteorias. O excesso de credulidade pode ser tão prejudicial quanto a incredulidade absoluta, e não se constitui num caminho seguro para chegar à verdade. Contudo, os céticos, ou os que assim se autodenominam, também podem se equivocar e o fazem, em geral, por assumirem posições subjetivas arbitrárias.
Um dos princípios utilizados pelos céticos para defender suas posições se chama Princípio da Economia ou Navalha de Ockham, creditado a William de Ockham (1280?-1349). De acordo com este princípio, "não se deve multiplicar entidades desnecessariamente", quer dizer, entre duas explicações para um fato, devemos preferir a mais simples, a mais econômica, a que necessite de menos elementos. Kardec, o bom-senso encarnado, disse o mesmo ao recomendar que se excluíssem todas as causas materiais antes de atribuir uma causa espiritual ou mediúnica a um determinado evento.
Na obra “O que é o Espiritismo?”, Allan Kardec dialoga com um padre e um cético e sua argumentação convincente continua valendo nos dias atuais. Vejamos algumas de suas falas que responderiam aos incrédulos da atualidade:

“Uma coisa é estar convencido e outra é estar disposto a convencer-se; é aos desta última classe que me dirijo, e não aos que julgam humilhação vir escutar o que eles chamam de ilusões. Com estes não me ocupo absolutamente.”
A atitude do cientista sincero, assim como a da ciência, não pode ser preconceituosa. Como confiar numa ciência que joga com cartas marcadas e que rejeita aprioristicamente uma certa gama de resultados por considerá-los impossíveis?

“A convicção só se adquire com o tempo, por meio de uma série de observações feitas com cuidado todo particular.”
O que se observa em alguns céticos é a precipitação em contra-argumentar, o que resulta numa contra-argumentação superficial e falha, que só poderia convencer pessoas sem nenhum ou com pouquíssimo conhecimento dos postulados espíritas.

“Os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso que os colhamos de passagem; é observando muito e por muito tempo que se descobre provas que escapam à primeira vista, sobretudo, quando não se está familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com espírito prevenido.”
A falta de cuidado na observação e a falta de conhecimentos das peculiaridades da fenomenologia espírita fazem com que os estudiosos queiram aplicar métodos da ciência material para questões de natureza espiritual. Assim, não é de estranhar que nada encontrem ou que não se convençam com a pobreza dos resultados que obtém.

“As provas abundam para o observador assíduo e refletido. Uma palavra, um fato aparentemente insignificante, é para ele um raio de luz, uma confirmação; ao passo que tais fatos não têm sentido para quem os observa superficialmente ou por simples curiosidade...”
O observador meticuloso, que se aprofundasse nas inúmeras questões envolvidas no processo das comunicações mediúnicas e dos fenômenos anímicos que o Espiritismo estuda e comprova, saberia onde encontrar os verdadeiros elementos de convicção, se os buscasse com sincero desejo de aprender.

“Por ser uma coisa suscetível de imitação, segue-se que ela não exista?”
Será que pelo fato de existirem fotos e filmes forjados, devemos pensar que não há fotos e filmes legítimos? Será que pelo fato de haver pessoas que simulam a mediunidade, não há médiuns de verdade? Este é um raciocínio infantil, como aquele que dissesse que, como existem pedras de zircônia que brilham como diamantes, então os diamantes não existem...
Não se pode derrubar um conceito como a mediunidade baseado na possibilidade dos fenômenos mediúnicos serem imitados, mas somente se provarmos a impossibilidade lógica e científica da existência e da comunicabilidade dos espíritos desencarnados.

Kardec, em O que é o Espiritismo?, também nos deixa a seguinte recomendação:

“A quem deseja instruir-se, direi: ‘Não se pode fazer um curso de Espiritismo experimental como se faz um de Física ou de Química atento que nunca se é senhor de produzir os fenômenos espíritas à vontade, e que as inteligências desses agentes fazem, muitas vezes, frustrarem-se todas as nossas previsões. (...)
Instruí-vos primeiramente pela teoria, lede e meditai sobre as obras que tratam dessa ciência; nelas aprendereis os princípios, encontrareis a descrição de todos os fenômenos, compreendereis a possibilidade deles pelas explicação que elas vos darão, e, pela narrativa de grande número de fatos espontâneos de que pudestes ser testemunha sem os compreender, mas que vos voltarão à memória, vós vos fortificareis contra todas as dificuldades que possam surgir e formareis, desse modo, uma primeira convicção moral.
Então, quando se vos apresentar a ocasião de observar ou operar pessoalmente, compreendereis, qualquer que seja a ordem em que os fatos se mostrem, porque nada vereis de estranho.’”


Segundo o educador Jiddu Krishnamurti, citado por Pedro J. Bondaczuk em seu artigo Sabedoria e Ceticismo, "ceticismo não é cinismo ou negação sistemática, é o estado da mente que não concorda depressa, que não aceita logo ou toma as coisas como resolvidas. A mente que aceita logo não está buscando a sabedoria, mas simplesmente refúgio".


Incrédulos por sistema

“Eu faço grande distinção entre o incrédulo por ignorância e o incrédulo por sistema; quando descubro alguém com disposições favoráveis, nada me custa esclarecê-lo; há, porém, pessoas em quem a vontade de instruir-se não é senão aparente; com estas perde-se o tempo; porque se elas não encontram logo o que parecem buscar, e que talvez as incomodasse, se aparecesse, o pouco que vêem não é suficiente para destruir-lhes as prevenções; julgam mal os resultados obtidos e os transformam em objetos de zombaria, pelo que não há utilidade em lhos oferecer.” (Allan Kardec em O que é o Espiritismo?)


Para saber mais:

- O que é o Espiritismo?, de Allan Kardec.
- Ceticismo científico x ceticismo dogmático, artigo de Francisco Saiz, disponível em http://scm2000.sites.uol.com.br/ceticismodogmatico.html;
- Sabedoria e ceticismo, artigo de Pedro J. Bondaczuk, disponível em http://www.planetanews.com/news/2005/10340

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* Este artigo foi publicado originalmente na Edição 29 de Revista Universo Espírita e revisado para esta postagem.

terça-feira, 6 de julho de 2010

A importância dos fenômenos espíritas*

Por Rita Foelker

Os fenômenos espíritas constituem uma parte importante do estudo e da pesquisa do Espiritismo. Eles representam a possibilidade de comprovação dos princípios da Doutrina.
A reencarnação, por exemplo, é revelada pelas lembranças de vidas passadas e por aqueles talentos da alma que não foram adquiridos na presente encarnação.
A imortalidade e a evolução podem ser melhor observadas e compreendidas através da mediunidade.
A ação dos fluidos está presente na telepatia e nas curas, à distância ou pela imposição de mãos.
Mas Kardec deixa muito claro que, acima de tudo isso, é a filosofia que se depreende do estudo destes fenômenos que deveria nos interessar. Que eles são uma espécie de “porta de entrada” para pesquisas e reflexões mais profundas e consequentes.
É natural que muitas pessoas sejam despertadas para o estudo da realidade espiritual pelos fatos que não conseguem explicar, como efeitos físicos, psicografia, vidências, dejà vu, conhecimento de um assunto ou arte sem nenhuma dedicação prévia nesta existência, e tantos outros.
Com o tempo e as reflexões, contudo, emergem conceitos e ideias que oferecem as verdadeiras explicações para eles e, também, para muitas outras indagações que os seres humanos de todas as épocas fizeram a si mesmos: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?
Após o compreensível espanto e o deslumbramento do primeiro impacto, aquele que presencia um fenômeno assim pode ter dois tipos de comportamento. Pode guardar o assunto numa pasta da memória onde ele ficará à espera de outras situações que o despertem. Ou pode dar um outro passo intelectual: estudar, pesquisar, investigar as verdadeiras causas por trás da realidade visível, que o conduzirão ao conhecimento mais completo de si mesmo e do Universo onde vive.
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* Este texto foi publicado originalmente no Jornal do CEM - Ano VIII - Edição nº8 - Janeiro de 2005

domingo, 4 de julho de 2010

Afinal, pode-se falar numa ciência espírita?*

Muito do que se diz do Espiritismo é preconceito e o preconceito nada tem de científico. É preciso conhecer para poder julgar

Por Rita Foelker

A fenomenologia mediúnica e anímica atraiu e continua a atrair a atenção de muitos cientistas. No século passado, William Crookes, químico e físico inglês, foi um pesquisador de fenômenos espíritas. Camille Flammarion, astrônomo e escritor francês, frequentava a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e pronunciou o discurso por ocasião dos funerais de Allan Kardec. Charles Richet, Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1913, nunca se declarou espírita, mas estudava os mesmos fenômenos dentro de uma ciência que ele chamou de Metapsíquica.
É inegável o potencial dos fatos espíritas para gerar curiosidade científica e pesquisa séria, mas a aceitação da ciência espírita como ciência de fato, com o mesmo status epistemológico da ciência reconhecida nos meios acadêmicos, ainda é restrita a um pequeno número de estudiosos e pesquisadores.
Algumas objeções surgem do desconhecimento das particularidades desta ciência, de seus resultados práticos e seu extenso lastro teórico e experimental.
O Espiritismo é considerado por muitos uma doutrina dogmática e, por isso, a ciência espírita é vista como uma mera tentativa de comprovação de seus dogmas. Este é um engano nascido da limitada compreensão da origem, objeto e objetivo da ciência espírita.
Outros alegam que seus relatos são sempre subjetivos e, portanto o cientista espírita seria incapaz de prover suas afirmações de uma confirmação independente, objetiva.
Há ainda os que invocam a “navalha de Ockham”** e dizem que, ao “inventar” Espíritos para explicar certos fatos, os espíritas estão proliferando entidades desnecessariamente.
Tentaremos esclarecer, em primeiro lugar, por que se pode dizer que existe uma ciência espírita e, em segundo lugar, por que essas críticas carecem de fundamento e revelam idéias preconcebidas sobre o Espiritismo.

O ponto de partida

O objeto da ciência espírita foi definido por Allan Kardec. Ela estuda os Espíritos, sua natureza, origem, destino e suas relações com o mundo material. E seu objetivo é o conhecimento das leis que atuam nestas relações.
Ao contrário do que se imagina comumente, Allan Kardec não foi um líder religioso. Quando iniciou suas pesquisas sobre fatos mediúnicos, Kardec era um professor altamente conceituado na França e também um cético quanto à veracidade dos fenômenos que agitavam a sociedade europeia. Sua história como codificador da Doutrina Espírita começou quando aceitou o convite de um amigo e passou a frequentar reuniões onde ocorriam manifestações físicas de Espíritos, que ficaram conhecidas como fenômenos das mesas girantes***. Após muito tempo de observação e havendo estudado inúmeros desses fatos, foi a partir de evidências factuais que ele, com a cooperação dos Espíritos Superiores, trabalhou pela construção e elucidação da teoria espírita.
Allan Kardec não tinha a personalidade de um místico ou religioso, de uma pessoa crédula que aceita explicações de causas sem exame mais profundo ou que cria teorias mirabolantes sobre coisas que não entende em profundidade. Seu caminho passou pela investigação, comparação, reflexão filosófica e atitude científica. Submetia as informações obtidas mediunicamente ao controle universal dos ensinos dos Espíritos – conforme se lê na introdução a O Evangelho Segundo o Espiritismo – confrontando comunicações sobre o mesmo assunto, recebidas por diferentes médiuns de diferentes lugares, antes de atribuir-lhes confiabilidade. Kardec foi movido pelo firme propósito de aprender e compreender a realidade que se descortinava diante de seu olhar atento e sem preconceitos.
Em A Gênese, fica claro que a revelação espírita tem duplo caráter, espiritual e humano, por ser fruto da atividade e empenho conjunto de encarnados e de desencarnados.

O status de ciência

Saber o que faz de uma disciplina qualquer uma ciência não é tão simples quanto possa parecer. Este é um debate antigo entre filósofos da ciência.
A concepção mais comum de ciência é a de um conjunto de teorias solidamente comprovadas por observações e experiências científicas, cuja autoridade seria inquestionável. Tal concepção tem sofrido repetidos golpes. Já nos anos 1930 do século passado, Karl Popper derrubava a tese positivista de que as observações servem para comprovar teorias irrevogavelmente. Estudos mais recentes de história da ciência, empreendidos notadamente por filósofos como Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, dão-nos conta de que a autoridade de uma ciência não é absoluta, nem pode pretender-se definitiva.
Ganha espaço em nossos dias a noção de ciência como uma atividade humana que se caracteriza por uma determinada prática, um espaço onde diferentes teorias sobre um mesmo conjunto de fenômenos concorrem para ver qual delas se afirma e se desenvolve, e qual definha e desaparece. E há uma forma científica de se praticar o Espiritismo, onde muitos pesquisadores do passado e do presente agem com objetivos e métodos científicos.
Mas é aqui que surgem algumas distinções importantes. Ao falar de método, não estamos falando do método convencionalmente chamado de científico.
Prosseguindo em seus estudos, Kardec não tardou a perceber que estava lidando com “um mundo de coisas novas”, e que estas coisas mereciam atenção filosófica e pesquisa científica. A nova ordem de fenômenos com que se deparou não se submetia aos métodos consagrados de pesquisa, como ainda hoje não podem ser reproduzidos em laboratório, como se faria com uma cultura de bactérias ou uma combinação de substâncias químicas. A natureza dos Espíritos e a sutileza dos fluidos****, afetados pela condição emocional e moral dos envolvidos nas experiências, exigem outro método, outro tipo de controle e avaliação de resultados. Todavia, embora haja elementos subjetivos presentes nos fenômenos, pertencentes à subjetividade do Espírito comunicante, do médium e dos presentes, a fenomenologia espírita está repleta de dados que podem ser objetivamente percebidos, analisados e utilizados como evidências de sua veracidade.
Por isso, podemos dizer que o Espiritismo é uma ciência experimental com uma metodologia científica própria, além de estar consistentemente teorizado. Ele apenas não é admitido como “científico” pela ciência oficial – o que, provavelmente, não representa uma desvantagem para ele.
O fenômeno espiritual existe. Foi comprovado de inúmeras maneiras, que aparecem em uma vasta bibliografia para aqueles que desejem se informar. E ao estudá-lo a ciência espírita desvenda aspectos importantíssimos da realidade além do que nos é visível e tangível.
Resta agora analisar as objeções citadas no início deste texto.


O Espiritismo é dogmático?

A ciência espírita é considerada por alguns como uma pseudociência criada para dar apoio às idéias propagadas pela Filosofia e Religião Espíritas. Tal pensamento não resiste a uma confrontação com a própria natureza evolutiva da doutrina.
O Espiritismo não é dogmático, mas, sim, evolucionista. Ou seja, ele se propõe a evoluir com a ciência e a corrigir-se, caso a ciência mostre que ele está errado. Tal flexibilidade não representa um afrouxamento nos seus critérios de verdade, mas uma necessária adaptação nascida da lúcida compreensão de Kardec sobre os efeitos do progresso científico.
Acresce ainda que o progresso do Espiritismo deve-se, em grande parte, aos seus recursos metodológicos próprios, e não apenas à incorporação de elementos de outras ciências.

A ciência espírita carece de confirmação independente?

Quem diz que a experiência dos fatos espíritas é subjetiva e não tem possibilidade de comprovação objetiva, não conhece o Espiritismo sério.
Os Espíritos se encontram por toda parte, porque não sofrem as limitações do mundo material. Podem ser objetivamente percebidos e, embora invisíveis, podem dar sinais concretos de sua existência. Podem também tornar-se visíveis e palpáveis em certas condições. William Crookes, citado acima, pesquisou um caso destes, as materializações do espírito Katie King. (Na imagem, o Dr. J. M. Gully mede a pulsação do Espírito materializado Katie King. )
Contudo, Kardec já nos alertava em O Livro dos Médiuns, no capítulo Do Método: para aquele que não conhece a teoria, os fatos pouco têm a dizer. Uma ideia equivocada de muitos espíritas é a de que se uma pessoa incrédula presenciar uma manifestação mediúnica, ela acreditará na existência e comunicabilidade dos Espíritos. Contudo, o codificador observa que, no Espiritismo, a questão dos Espíritos é secundária, pois o ponto de partida é a compreensão dos princípios e leis que estão por trás das manifestações. E se alguém não estiver pronto para compreender estas leis e princípios, provavelmente não será persuadido pelo fenômeno.

A ciência espírita inventou os Espíritos para explicar fatos que teriam outras explicações mais simples?

Há quem diga que o Espiritismo criou os Espíritos e agora precisa-dar-lhes um papel no mundo. Para tanto, ele necessita atribuir certos fenômenos aos Espíritos e isto seria multiplicar entidades desnecessariamente. Afinal, muitas coisas têm explicações materiais e concretas e não precisamos dos seres invisíveis para entendê-las.
Contudo, ao conhecer a Doutrina um pouco mais profundamente, o interessado descobrirá que a ciência espírita não recorre aos Espíritos para explicar o que pode ser explicado por causas materiais, e isto por recomendação do próprio Allan Kardec.
Quando nos referimos ao seu domínio de aplicação como, por exemplo, os fenômenos mediúnicos e anímicos, a reencarnação, os fluidos, nesses casos as explicações espíritas costumam ser mais apropriadas do que aquelas que os materialistas e céticos costumam oferecer para fugir das teses espíritas.


Para pensar

A ciência que nega a existência dos Espíritos e do mundo espiritual não é estática e suas afirmações não são infalíveis. No entanto, muitos assim crêem. Porém, dizer que os Espíritos não existem porque os cientistas não os detectaram com seus aparelhos é a mesma coisa que dizer que as luas de Júpiter***** não existiam até serem vistas. (No caso, os cientistas estariam na mesma posição dos bispos de mentalidade medieval, negando o que não acreditam que possa existir...)
Notemos que aqueles que negam a existência dos Espíritos e dos fatos espíritas costumam fazê-lo de duas maneiras: simplesmente negando a realidade dos Espíritos e dos fenômenos ou, então, desqualificando aqueles que sustentam a realidade dos Espíritos e dos fenômenos como ingênuos, ou charlatães, ou loucos.
Dizer que alguém acredita em Espíritos porque é louco é uma afirmativa que carece de justificação. Justificar dizendo que, pelo simples fato de acreditar em Espíritos, alguém é louco, constitui um argumento circular que causa arrepios à lógica mais elementar.
Kardec já dizia sabiamente que “negar não é provar”. A profusão de casos que surgem todos os dias acabará por tornar a negação uma atitude ingênua. Quanto à integridade e sanidade dos pesquisadores e estudiosos, parece-me que é preciso muito, mas muito cuidado mesmo ao questioná-la. Porque embora a sanidade e integridade possam estar ausentes, em casos excepcionais, a maioria dos estudiosos é séria e consciente, está gozando de boa saúde mental e obtém resultados animadores em suas pesquisas.

A imagem atual da ciência******

Por Silvio Seno Chibeni

A imagem de ciência a que os filósofos da ciência chegaram a partir das conquistas recentes indica que uma ciência autêntica consiste, simplificadamente, de um núcleo teórico principal, formado por hipóteses fundamentais. Esse núcleo é circundado por hipóteses auxiliares, que o complementam e efetuam sua conexão com os dados empíricos. Essa estrutura mais ou menos hierarquizada faz-se acompanhar de determinadas regras, nem sempre explícitas, que norteiam o seu desenvolvimento futuro. De um lado, há as regras "negativas", que estipulam que nesse desenvolvimento os princípios básicos do núcleo teórico devem, o quanto possível, ser mantidas inalteradas. Eventuais discrepâncias entre as previsões da teoria e as observações experimentais devem ser resolvidas por ajustes nas partes menos centrais da malha teórica, constituídas pelas hipóteses auxiliares; regras "positivas" sugerem ao cientista como, quando e onde essas correções e complementações devem ser efetuadas.
Ao contrário do que se supõe na visão comum de ciência, não há restrições sobre a natureza das leis de uma teoria científica, que podem inclusive ser de caráter predominantemente metafísico. A restrição fundamental é que a estrutura teórica como um todo forneça previsões empíricas corretas, ou seja, dê conta dos fatos. O exame das teorias científicas maduras e dos padrões avaliativos adotados pelos cientistas indica ainda que algumas características devem necessariamente estar presentes em qualquer boa teoria científica. Inicialmente, ela deve ser consistente. Deve ser abrangente, explicando um grande número de fatos. Deve, por fim, apresentar as virtudes estéticas de unidade e simplicidade, ou seja, a explicação que fornecem dos diversos fenômenos deve decorrer de maneira natural e simples de um corpo de leis teóricas integrado e tão reduzido quanto possível. Há ainda o vínculo externo de que uma teoria não deve conflitar com as demais teorias científicas bem estabelecidas que tratam de domínios de fenômenos complementares (por exemplo, uma teoria biológica não deve pressupor leis químicas e físicas que contrariem as leis bem assentadas da Química e da Física).
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*Este artigo foi publicado originalmente na edição 45 da Revista Universo Espírita e revisado para esta postagem.

** A Navalha de Ockham é um princípio metodológico também conhecido como “princípio da economia”. Atribuído a um pensador inglês do século XIV, William de Ockham, é enunciado da seguinte maneira: “Desde que bastam as causas existentes na parte intelectiva, em vão se admitem outras causas.”

*** Mesas girantes é uma denominaçãoi aos fenômenos de efeitos físicos muito comuns em Paris e outras cidades da Europa, na segunda metade do século XIX.

**** Nos diálogos com os Espíritos, Allan Kardec fazia perguntas baseado nas ciências de sua época. Na Física, a teoria aceita para explicar o calor nos séculos XVIII e XIX, era a do fluido calórico. Tratava-se de uma suposta substância transmitida pelos corpos quentes aos mais frios. A noção de fluido predominava também na compreensão de outros fatos: a eletricidade era a transmissão de fluido elétrico, o imã emitia o fluido magnético e assim por diante. Os Espíritos então utilizaram o termo para explicar qual era o agente dos fenômenos mediúnicos e anímicos.

***** Referência a um episódio da biografia de Galileu Galilei (1564-1642).

****** Trecho de Ciência Espírita, artigo de Silvio Seno Chibeni, publicado na Revista Internacional de Espiritismo (RIE) - Março/1991

Agradecimento
Agradecimento especial ao Prof. Dr. Silvio Seno Chibeni, que leu este texto em primeira mão e ajudou a torná-lo muito melhor.

sábado, 3 de julho de 2010

Ciência ou pseudociência? Sobre conhecimento e sua justificação independente

Kardec afirmou que o Espiritismo constitui uma disciplina científica, e tratou de ciência espírita em vários trechos de sua obra madura e consistente. O que, porém, torna o Espiritismo uma ciência e o distancia da possibilidade de ser visto como pseudociência?

Texto inédito
Por Rita Foelker

Um dos principais pensadores e autores da filosofia da ciência no século XX, Imre Lakatos, inicia seu artigo Ciência e Pseudociência* com a seguinte afirmação: "O respeito do homem pelo conhecimento é uma das suas características mais peculiares. Conhecimento em latim é scientia, e a ciência se tornou o nome do tipo mais respeitável de conhecimento. " E ele, então, pergunta: "Mas o que distingue conhecimento de superstição, ideologia ou pseudociência?"
Aspectos psicológicos e culturais podem levar a aceitar como razoáveis afirmações e critérios que acabam demonstrando não ter qualquer fundamento nos fatos. Lakatos, porém, cita o exemplo da feitiçaria, no século XVII, como um exemplo de raciocínio experimental - baseado nos fatos -que foi bem sucedido por certo tempo...
Kardec afirmou que o Espiritismo constitui uma disciplina científica, e tratou de ciência espírita em vários trechos de sua obra madura e consistente. O que, porém, torna o Espiritismo uma ciência e o distancia da possibilidade de ser visto como pseudociência?
O problema da demarcação entre 'ciência' e 'não-ciência' tem uma longa história entre os pensadores do conhecimento. Lakatos apresenta as várias respostas oferecidas a esta pergunta, faz uma apreciação crítica de cada uma, e então trata de sua tese sobre os programas de pesquisa, formados por um núcleo rígido de hipóteses fundamentais, em torno das quais um cinturão de hipóteses auxiliares orientam a atividade do cientista. Se a pesquisa caminha no sentido da predição de fatos novos e de descobertas que fortalecem a base empírica das hipóteses fundamentais, o programa é considerado progressivo. Mas se teorias precisam ser "fabricadas apenas com a finalidade de acomodar fatos conhecidos"**, o programa é considerado degenerativo. (Leia mais sobre os programas de pesquisa e as ideias de Lakatos em O que é Ciência?, por Silvio Seno Chibeni.)
Há alguns pontos, algumas características do conhecimento ciêntífico identificadas durante todo esse tempo de reflexão e discussão por parte de muitos autores, que podem ajudar a esclarecer que, em certos casos, estamos mesmo tratando de uma ciência digna deste nome.
A justificação independente do conhecimento é uma dessas características. Uma tese científica se caracteriza pelo seu poder explicativo e preditivo, ou seja, ela deve ser capaz de explicar fatos ocorridos, mas também de prever ocorrências futuras. Ela deve poder submeter-se a testes, confrontar-se com os fatos. Os testes irão aumentar seu grau de confirmação ou apontar sua falsidade. Assim se constrói a objetividade e independência de um conhecimento: o seu valor cognitivo.
Valor cognitivo, lembra Lakatos no mesmo artigo, nada tem a ver com "crença, compromisso e entendimento", que são "estados da mente" e não garantem nenhum grau de aceitabilidade científica. O fato de se crer que a Bíblia é uma narração literal de acontecimentos não torna o criacionismo uma teoria científica.
O fato de se crer na existência de Espíritos não faz do Espiritismo uma ciência. O que faz dele uma ciência é sua base experimental, o caráter progressivo de suas pesquisas, ou seja a sua justificação, a qual se mostra independente de aspectos psicológicos e culturais. E isto também é o que o torna um conhecimento com alto grau de respeitabilidade.

Quem foi Imre Lakatos

Nascido na Hungria, Imre Lakatos (1922-1974) era graduado em matemática, física e filosofia. Em 1956, durante um período de turbulência na Hungria, Lakatos viajou para Viena e, posteriormente, na Inglaterra, recebeu o doutorado em filosofia pela Universidade de Cambridge, em 1961. Durante longo período, manteve correspondência com Paul Feyerabend, e suas discussões deram origem a uma das principais obras de Feyerabend, Contra o Método. Lakatos escreveu: História da Ciência e suas Reconstruções Racionais, Falsificação e Metodologia dos Programas de Investigação Científica, A Lógica do Descobrimento Matemático: Provas e Refutações.
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* LAKATOS, i. Science and Pseudoscience. CURD, M.; COVER, J. A. Philosophy of Science: the Central Issues. NY/London: Norton & Co., 1998.

** Id., p.25.


sexta-feira, 2 de julho de 2010

O Espiritismo perante as ciências*

Por Rita Foelker

Ao lado: Retrato de Isaac Newton (1689), por G. Kneller

O Espiritismo, em nossa sociedade, costuma ser associado a comunicações com Espíritos e também à noção de crença religiosa. Os aspectos filosófico e científico da Doutrina, explicitados por Kardec em suas obras, pouco são lembrados.
A falta de atenção a eles por muitas instituições, que também privilegiam uma visão religiosa da Doutrina, contribui para torná-los bastante incompreendidos, não só pelas pessoas que desconhecem ou, até mesmo, combatem as idéias espíritas, como pelos próprios adeptos. E, em parte por causa disso, o Espiritismo ainda encontra uma grande resistência para ser aceito, especialmente como ciência.
Cabem aqui algumas observações sobre o que comumente se entende por ciência e nos equívocos dessa concepção, que conduzem a uma percepção ilusória do significado dos dados da ciência “oficial” e a considerar-se o Espiritismo como não-científico. Quando falamos em ciência “oficial”, referimo-nos àquela que domina os meios acadêmicos, de cunho materialista, e não à ciência espírita.
O primeiro equívoco reside na idéia muito difundida de que a ciência sempre parte da observação de fenômenos ou estados de coisas. As teorias seriam elaboradas a partir de um grande número de observações ou experimentos, sob ampla variedade de condições. E, assim, todo o conhecimento apontado como científico teria sido experimentalmente comprovado e gozaria de inquestionável autoridade.
O problema aqui surge ao assumir-se que um evento que se repete uma grande quantidade de vezes ocorrerá todas as vezes que as mesmas condições se repetirem, sem exceções. Tal conclusão não é logicamente válida. Algo diferente sempre pode ocorrer, num futuro próximo ou distante, desmentindo uma afirmação amplamente aceita no meio científico.
Isso significa entre outras coisas que, ao contrário do que comumente se pensa, chamar algo de “científico” não equivale a dizer que é “verdadeiro”. Pode-se dizer que científico é tudo aquilo que se encaixa em certos padrões metodológicos admitidos pela comunidade científica, embora não reflita necessariamente a verdade última sobre o assunto.
Além disso, no tocante à observação, ocorre que muito do que a ciência estuda hoje em dia nunca foi realmente observado e resulta de elaborações puramente teóricas. É o caso do Princípio da Inércia**, cujas condições ideais de funcionamento jamais poderiam ser reproduzidas num experimento e, no entanto, permanece irrefutável desde Isaac Newton até nossos dias.
O segundo equívoco da visão mais popularizada da ciência diz respeito à confiabilidade e à objetividade absolutas das teorias científicas, baseadas na observação.
A confiabilidade absoluta na observação foi parcialmente desqualificada como fundamento seguro para o conhecimento científico, no parágrafo acima.
Quanto à objetividade, que significaria ausência das condições particulares e subjetivas do cientista do processo da pesquisa e elaboração da ciência, é também utópica. A formação, as crenças e valores do cientista influenciam, sim, sua observação e sua interpretação dos fatos. Uma amostra disso é o debate, bastante acirrado, há alguns anos, nos Estados Unidos, entre cientistas ateus ou céticos e seus colegas creacionistas. Ambos os grupos defendem diferentes histórias para a origem e o destino do Universo, cada qual com suas explicações e justificativas “científicas” próprias***.
A atividade científica nunca é isenta de pressupostos e, tampouco, o cientista está apto a conhecer e avaliar os fatos sem pré-julgamentos ou pré-conceitos. De fato, quando o cientista observa um fato, ele já traz expectativas que podem se confirmar ou não.
Da mesma forma, aquilo que ele observa será interpretado dentro de um quadro conceitual previamente estabelecido, dentro de uma forma de pensar a realidade.
Logo, as posições de diferentes cientistas sobre um determinado assunto podem divergir e efetivamente divergem, sendo muitas vezes difícil decidir por uma delas em detrimento da outra. Isso se torna ainda mais evidente quando analisamos o terceiro equívoco, que é crer que ocorre na ciência um progresso cumulativo, isto é, que os novos conhecimentos se somam aos anteriores e são sempre compatíveis com eles. De fato, as descobertas científicas apontam para diferentes dados e informações, nem sempre convergentes para uma única visão de realidade. O que ocorre então é uma escolha, por parte da comunidade científica, baseada em critérios diversos. A teoria escolhida será, então, uma entre pelo menos duas possíveis.
Há ainda um dado importante acerca da abordagem que a ciência faz de seus objetos de pesquisa. É inevitável que os objetos percebidos, ao se tornarem alvo da pesquisa científica, sofram uma simplificação ou redução aos seus aspectos apreciáveis dentro do método utilizado. Com isso, parte importante das propriedades sensíveis e das particularidades dos fenômenos acaba sendo desprezada em favor de uma esquematização e da tabulação de dados passíveis de serem apreendidos pelo estudo em curso. O que o cientista aprecia em seu trabalho, portanto, não é a realidade em si, mas um recorte da realidade.
Por isso, embora a ciência “oficial” tenha como propósito alcançar uma compreensão cada vez mais verossímil dos fatos, e embora os cientistas cumpram seu papel com seriedade e dedicação, muita coisa continua fora de seu campo de observação.
Seja por impossibilidade de enxergar aquilo que é ainda incapaz de conceber como plausível, seja por opção de uma maioria de cientistas, seja por não se encaixarem nos métodos e regras utilizados no presente, os fenômenos anímicos e mediúnicos, o Espírito e a imortalidade, continuam invisíveis para a ciência dita oficial. E isso não se dá porque tais fenômenos e a realidade espiritual não existam ou não sejam passíveis de comprovação e análise. Aliás, tais comprovações e análises já são realizadas nos parâmetros da ciência espírita, a qual tem seus próprios valores, regras e métodos apropriados à investigação do Espírito e suas implicações.

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* Este texto foi publicado originalmente no site da Fundação Espírita André Luiz, em 26/12/2006.

** Princípio da Inércia, postulado por Isaac Newton, diz que um corpo tende a manter-se imóvel ou em movimento uniforme, desde que nenhuma força atue sobre ele. Como não existe lugar no Universo absolutamente livre da ação de alguma força, a verificação experimental deste fato continua impossível.

*** Falaremos disso num outro momento.