segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A confirmação e seus problemas

A tese de Popper serve de alerta para todos que militam em favor de uma Ciência do Espírito.

Texto inédito
Por Rita Foelker

O post anterior tratou apenas superficialmente dos problemas com a confirmação das teorias científicas pelas observações.
De fato, foi mencionado apenas um dos problemas da confirmação, que é a desproporção entre o número limitado de casos confirmados pela observação, diante do potencialmente infinito número de casos possíveis em que a observação refutaria a teoria. Trata-se de um problema da lógica da indução.
Há, contudo, um segundo e sério problema com a confirmação, apontado por Karl Popper numa conferência publicada em seu Conjecturas e refutações.
Trata-se da capacidade que as pessoas têm de enxergar confirmações por toda parte, quando simpatizam com uma ideia. A dificuldade surge com a indução efetuada de certo modo que não atinge o padrão científico. Os exemplos oferecidos por Popper à época pertenciam ao horóscopo perante as biografias, a teoria marxista da história e à psicanálise.
Mas o fato é que, pessoalmente, cada um de nós pode eleger uma ideia, doutrina ou programa e fazer o mesmo, fato que merece nossa atenção.

Quando tudo parece favorável

No caso do horóscopo, uma afirmação como "os sagitarianos receberão dinheiro amanhã" pode obter um grande número de confirmações, mas isso não faz do horóscopo uma ciência.
Explicando o que o levou a pensar no assunto, Popper escreve*:
“Percebi que meus amigos admiradores de Marx, Freud e Adler impressionavam-se com uma série de pontos comuns às três teorias, e sobretudo com sua aparente capacidade de explicação. Essas teorias pareciam poder explicar praticamente tudo em seus respectivos campos. O estudo de qualquer uma delas parecia ter o efeito de uma conversão ou revelação intelectual, abrindo os olhos para uma nova verdade, escondida dos ainda não iniciados. Uma vez abertos os olhos, podia-se ver exemplos confirmadores em toda parte: o mundo estava repleto de verificações da teoria. Qualquer coisa que acontecesse vinha confirmar isso. A verdade contida nessas teorias, portanto, parecia evidente; os descrentes eram nitidamente aqueles que não queriam vê-la: recusavam-se a isso para não entrar em conflito com seus interesses de classe ou por causa de repressões ainda não analisadas, que precisavam urgentemente de tratamento”.
Segundo Popper, um marxista não conseguia abrir um jornal sem encontrar a cada página confirmações para a sua teoria da história, não só nas notícias, mas na forma de apresentação delas, que revelava preconceitos de classe. As fontes de confirmação eram tanto explícitas, quanto implícitas.
Um freudiano estava constantemente confirmando a teoria psicanalítica em suas “observações clínicas. Popper observou: “O que queria dizer era que suas observações anteriores podiam não merecer muito mais certeza do que a última; que cada observação havia sido examinada à luz da ‘experiência anterior’, somando-se ao mesmo tempo às outras como confirmação adicional. Mas, perguntei a mim mesmo, que é que confirmava cada nova observação? Simplesmente o fato de que cada caso podia ser examinado à luz da teoria. Refleti, contudo, que isso significava muito pouco, pois todo e qualquer caso concebível pode ser examinado à luz da teoria de Freud e de Adler.”
Popper então oferece um exemplo ouvi algumas vezes em aulas de filosofia:
“Posso ilustrar esse ponto com dois exemplos muito diferentes de comportamento humano: o do homem que joga uma criança na água com a intenção de afogá-la e o de quem sacrifica sua vida na tentativa de salvar a criança. Ambos os casos podem ser explicados com igual facilidade, tanto em termos freudianos como adlerianos. Segundo Freud, o primeiro homem sofria de repressão (digamos, algum componente do seu complexo de Édipo) enquanto o segundo alcançara a sublimação. Segundo Adler, o primeiro sofria de sentimento de inferioridade (gerando, provavelmente, a necessidade de provar a si mesmo ser capaz de cometer um crime), e o mesmo havia acontecido com o segundo (cuja necessidade era provar a si mesmo ser capaz de salvar a criança). Não conseguia imaginar qualquer tipo de comportamento humano que ambas as teorias fossem incapazes de explicar. Era precisamente esse fato - elas sempre serviam e eram sempre confirmadas - que constituía o mais forte argumento em seu favor. Comecei a perceber aos poucos que essa força aparente era, na verdade, uma fraqueza.”
Na verdade, o grande problema com a teoria marxista da história e a psicanálise não é o seu possível lastro de confirmação, concluiu Popper, mas o fato de que elas não tinham como ser refutadas. Uma teoria científica tem o objetivo de explicar fenômenos e capacitar-nos a predizê-los. Para isso, ela precisa possuir um caráter informativo acerca do que pode e não pode ocorrer. Uma teoria capaz de abranger tudo o que acontece não pode ser uma teoria científica, porque uma teoria que explica tudo, a afirmação como a negação, a ocorrência como a não ocorrência, acaba sendo uma teoria inútil.

Ciência e convicção pessoal

Mas o problema com a confirmação é que ela não é difícil encontrar, quando procuramos.
Por isso, Popper propõe que “todo teste genuíno de uma teoria é uma tentativa de refutá-la. A possibilidade de testar uma teoria implica igual possibilidade de demonstrar que é falsa.”
A confirmação é admitida sob o status de evidência corroborativa, e somente quando resulta de um teste genuíno, que seria uma tentativa “séria porém malograda de refutar a teoria”.
Popper adverte ainda que “algumas teorias genuinamente ‘testáveis’, quando se revelam falsas, continuam a ser sustentadas por admiradores, que introduzem, por exemplo, alguma suposição auxiliar ad hoc**, ou reinterpretam a teoria ad hoc de tal maneira que ela escapa à refutação. Tal procedimento é sempre possível, mas salva a teoria da refutação apenas ao preço de destruir (ou pelo menos aviltar) seu padrão científico.”
Hoje em dia, este texto do nos ajuda não apenas a compreender o empreendimento científico, mas a avaliar nossas formas de entusiasmo em torno de algumas ideias, incluindo a cientificidade do Espiritismo. Pode ser tentador olhar para todos os fatos com a lente da reencarnação ou da influência espiritual e, de fato, é totalmente aceitável usarmos nosso conhecimento ou convicção pessoal para interpretar fatos, em nossas reflexões e conversas informais. Mas ciência séria não é baseada em interpretações pessoais de observações, sobretudo, aquelas que são invariavelmente favoráveis às ideias que defendemos.
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*Os trechos de Conjecturas e refutações (Brasília: UnB, 1980) transcritos neste post pertencem à versão integral do capítulo “O progresso do conhecimento científico”, disponível aqui.
** Uma suposição ad hoc é uma afirmação estranha a uma teoria, que lhe é adicionada para evitar que seja refutada.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ciência e teste

A relação entre ciência e testabilidade das hipóteses não é tão pacífica quanto comumente se imagina.

Texto inédito
Por Rita Foelker


Até o início do século XX, havia uma corrente filosófica que defendia a verificabilidade como a marca da ciência. Eram os positivistas lógicos. Segundo eles, as leis científicas deveriam expressar estados de coisas de forma clara e precisa, e seriam consideradas comprovadas por meio de testes e observações dos fatos nelas afirmados.
Um problema com esta concepção está no fato de que o número de testes e observações possíveis é sempre limitado. Fica sempre a possibilidade de que seus resultados deixem de se repetir, em algum momento, sob certas circunstâncias.
Quem observou esta falha lógica no método preconizado pelo positivismo lógico foi Karl Popper (1902-1994). Popper criticou a tese da verificabilidade e propôs que a marca da ciência era a falseabilidade. Uma lei científica deveria ser expressa em termos claros, incluindo as condições de teste e observação, de modo que fosse possível reproduzi-los. Uma única vez que, ao respeitar as condições de teste e observação, o resultado esperado não ocorresse, e isto levaria ao falseamento da lei.
Hoje em dia não se considera mais que testes têm a ver com verdade ou falsidade. Considera-se que os testes são eficazes dentro de certos limites, que corroboram hipóteses, mas não estão aptos a estabelecer uma verdade. Quando dizemos, por exemplo, que um produto foi dermatologicamente testado, isso não significa que ele jamais provocará uma reação alérgica, mas que num universo de “x” ou “y” indivíduos, a totalidade ou uma razoável porcentagem não teve reações dermatológicas adversas a ele.

Fatos sobre testes científicos

Lembremos um pouco de História. Houve um tempo em que a droga chamada talidomida*, introduzida no mercado em 1956, foi vendida em farmácias e amplamente utilizada por mulheres grávidas para tratamento de insônia, ansiedade e alívio dos enjoos matinais. Os testes realizados à época não revelaram todos os seus potenciais efeitos. O surgimento de casos de malformações congênitas levou a novos estudos e à proibição de sua venda em 1961, mas ainda assim a droga continuou a ser comercializada por vários meses em alguns países como Bélgica, Brasil, Canadá, Itália e Japão. Isso mostra que os testes têm limites quanto à garantia de resultados e outros possíveis efeitos de uma substância.
Os medicamentos, cosméticos e procedimentos atuais voltados para a cura e a beleza, que consideramos testados cientificamente, são, em boa parte, recentes. Além disso, desde que os centros de pesquisas científicas deixaram de ser principalmente as universidades, e passaram a ser patrocinados pelas corporações, atendendo a interesses financeiros e comerciais, o tempo de teste de novas substâncias, antes de chegarem ao mercado, diminuiu.

Analisando nossas crenças

Se os resultados dos testes fossem unânimes em provar uma afirmação, não haveria por que cientistas discordarem entre si, mas sempre houve e continua havendo uma boa dose de polêmica em torno de vários tópicos científicos da medicina, da economia, da física, entre outras.
Como acreditamos na autoridade da ciência, acreditamos naquilo que se afirma que a ciência confirmou ou comprovou. Mas compreendemos de fato quais testes são feitos e qual o peso de seus resultados? Quase nunca.

O outro lado

Os testes, contudo, têm sua relevância na consolidação de setores da pesquisa. Provavelmente ninguém iria querer usar um creme dental que nunca houvesse sido testado.
E sua importância não está restrita aos campos científicos oficialmente reconhecidos. Michael Harner, antropólogo e autor de O caminho do xamã (Ed. Cultrix), nos recorda que “os antigos métodos do xamanismo (...) já foram testados pelo tempo. De fato, eles vêm sendo testados há um tempo imensuravelmente maior, por exemplo, que a psicanálise e inúmeras outras técnicas psicoterapêuticas.”
Calunga, autor espiritual de Calunga definitivo (Ed. Gil), recorda-nos, dentro de uma perspectiva mais ampla que “os Espíritos do bem sempre tentaram ajudar a Humanidade, porque a vida sempre foi espiritual e material”. E, de fato, os contatos espirituais estão documentados nas mais diferentes culturas. Eles fazem parte do relato comum dos indígenas de diferentes tribos, como fatos familiares e cotidianos. São conhecimentos testados, e testados durante séculos e milênios, não somente num laboratório ou dois, mas em diferentes cantos do planeta.
Há ainda outro fator que influencia nossa crença nos resultados científicos: a propaganda. Temos tendência a achar que um creme realmente vai diminuir nossas rugas enquanto dormimos porque nos dizem que foi produzido num grande laboratório de uma empresa com bom nome na praça, o que pode ocorrer de fato, mas não é esse o ponto a ser destacado aqui: é o quanto as técnicas da propaganda nos conduzem a crer numa coisa ou noutra, a favor do anunciante. O que nos leva a pensar no porquê de crermos na ciência, nos testes, na propaganda... Quem ou o que nos ensinou a pensar assim?
Quais as evidências em favor de nossas crenças?
Quantas vezes nós as colocamos em teste? E o que apuramos?
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* Informações sobre a talidomida podem ser encontradas aqui.

Imagens:
- Karl Popper, filósofo (1902-1994).

- Mulher xamã (1880).

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Grupos & Grupos

Por Gilberto (Esp.) / Rita Foelker

Costuma-se chamar de grupo, qualquer reunião de pessoas envolvidas em alguma atividade.

Quando se trata de grupos mediúnicos, alguns apontamentos importantes deverão ser feitos. Um grupo mediúnico começa com pessoas que se identificam por um certo perfil: por participarem de estudos da casa espírita, por terem ouvido falar do Espiritismo ou por terem curiosidade de conhecer as atividades dos médiuns, porque sofreram alguma perda e procuram o conforto da comprovação da imortalidade, por terem sentido sinais da eclosão da mediunidade e precisarem entender e lidar com esta nova condição... Enfim, são levadas por razões bastante diversificadas e têm objetivos pessoais definidos.

Para integrar a equipe encarnada dos trabalhos com a mediunidade, contudo, hão que estar cientes de alguns fatores decisivos para o êxito e a qualidade dos resultados obtidos.

Primeiro, é importante que, num grupo mediúnico, ninguém se considere um mero espectador, nem participe por razões estritamente particulares. Nossa participação também consiste na cota indispensável de sentimentos e pensamentos, que oferecemos antes, durante e depois da reunião, em favor de todos os encarnados e desencarnados, sejam atendentes ou atendidos.

A formação do grupo leva em conta as características do trabalho que se pretende realizar, seja experimentação, estudo ou socorro a Espíritos necessitados. Seja qual for a natureza do trabalho, sempre possui funções específicas e os participantes precisam buscar colaborar da melhor maneira possível, naquela em que melhor se adaptem.

Em geral, um grupo recém-formado tem pessoas desempenhando vários papéis, mas quando ele amadurece e cada um descobre sua tendência, é natural que se especialize nas funções de médiuns de transe, aplicadores de passes, dialogadores ou médiuns de sustentação, e é desejável, mesmo, que procure se aperfeiçoar na função que escolheu. Com isto, tanto a pessoa quanto o grupo só têm a ganhar.

Durante a reunião, mesmo que momentaneamente não esteja desempenhando sua tarefa, é necessário que se mantenha mentalmente ligado e alerta, interessando-se pelos diálogos e fenômenos que se processam, ajudando com pensamentos aquele que conversa com o irmão desencarnado, pondo-se atento às intuições superiores que receber e com que possa contribuir. O tédio e o alheamento ao ambiente e às comunicações levam à dispersão de pensamentos, à sonolência e à diminuição da qualidade do ambiente, com sérias conseqüências: ou diminuindo a qualidade do atendimento socorrista, ou limitando o aproveitamento das experiências e estudos, se esse for o caso. Se preferir, então, que o integrante do grupo escolha um item de seu interesse para observar no sentido de aprender mais, como a forma de abordagem dos Espíritos, o processo das comunicações, a atuação dos médiuns ou as mudanças no ambiente fluídico.

Todo esforço que vise aumentar a harmonia entre os participantes não será poupado, as razões de desentendimento serão logo identificadas e sanadas; todos os Espíritos e todas as pessoas serão tratados com respeito e cordialidade nascidas do fundo desejo de criar um clima de serenidade e confiança mútua.

Da sintonia com os Dirigentes desencarnados resultarão encaminhamentos interessantes para as atividades desenvolvidas, lembrando que eles também compõem o grupo da reunião: colaboram, instruem e auxiliam de inúmeras maneiras, podendo ser consultados sempre que necessário.