quarta-feira, 24 de agosto de 2011

“Milagres” são possíveis?


Por Rita Foelker - Texto inédito



Agora todos admitimos que a verdade pode tomar conta de si mesma, e que apenas o erro precisa de proteção. (A. R. Wallace)



David Hume (1711-1776) foi um filósofo que ficou conhecido, entre outras coisas, pelo fato de haver fornecido argumentos céticos aos filósofos da ciência e aos adeptos do ceticismo filosófico em geral. Seu ataque à ideia da causação como uma realidade independente de nós, transformando-a em fruto do hábito mental humano, de aguardar repetições futuras de sequências de eventos que ocorreram no passado, impressionou grande número de pensadores avessos à metafísica.
Hume era, sem dúvida, um bom escritor e sua retórica podia até persuadir os desprevenidos. Contudo, Hume não dominava tão bem a lógica. Desse modo, filósofos que compreendiam os mecanismos da lógica formal ou informal, e que decidiram analisar seus raciocínios, conseguiram desmontar vários deles, mesmo que não alcançassem o mesmo grau de celebridade nos meios filosóficos.
Thomas Reid (1710-1796), seu contemporâneo, debateu sua tese da causação como fruto da conjunção constante entre dois eventos, em que o primeiro é considerado causa do segundo por força do hábito criado pela repetição. Como base principal de sua réplica, Reid afirmou que, se esse era mesmo o caso, então a primeira vez em que dois eventos ocorressem conjuntamente, não se poderia considerar o primeiro como causa do segundo. Assim sendo, a conclusão plausível é: se não há histórico de conjunções causais anteriores, não pode haver causação. Em outras palavras, se a cidade do México fosse destruída por um terremoto sem que tivesse ocorrido algum terremoto anteriormente, então não se poderia afirmar que o terremoto causou a destruição na cidade.

Se um humeano dissesse que não era preciso pensar-se num terremoto, mas em qualquer tremor que abalasse uma superfície, para entender o ocorrido na cidade, ainda restaria a questão: qual o grau de generalidade ou especificidade de uma conjunção de eventos seria exigido na determinação de sua constância (STANFORD, 2009)? Como se vê, o pressuposto de Hume é problemático.
As ideias de Hume conservaram seu prestígio em certos meios acadêmicos e, noutro tempo, mais adiante, seria a vez de Alfred Russel Wallace (1823-1913) analisar as afirmações de Hume, tratando da questão dos milagres perante a Sociedade Dialética de Londres em 1871.
Hume começa analisando os problemas com a própria definição de milagre adotada pelo filósofo escocês. Afirmar que um milagre é uma “violação das leis da natureza” seria assumir que nós conhecemos todas as leis da natureza, o que é uma afirmação altamente ousada e impossível de ser provada, segundo Wallace.
Esta é, a propósito, a concepção exarada por Kardec (2005[1890], p.152) em Obras póstumas: “No sentido teológico, o caráter essencial do milagre é o de ser uma exceção aberta nas leis da Natureza, o que, conseguintemente, o torna inexplicável mediante essas mesmas leis. Deixa de ser milagre um fato, desde que possa explicar-se e que se ache ligado a uma causa conhecida. Desse modo foi que as descobertas da Ciência colocaram no domínio do natural muitos efeitos que eram qualificados de prodígios, enquanto se lhes desconheciam as causas.”
Mas o exame de Wallace das teses de Hume acerca dos milagres é extenso e contempla outras peculiaridades do discurso humeano. Ele agora pode ser lido em português, por meio da tradução feita por Jáder Sampaio para o livro Diálogo com os céticos.

KARDEC, A. Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
YAFFE, G. Thomas Reid. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy. 2009.

Serviço: WALLACE, A. R. Diálogo com os céticos. Col. Biblioteca da Ciência e Espiritismo. Tradução Jáder Sampaio, apresentação Astrid Sayegh. Bragança Paulista/SP: Lachâtre, 2011.
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Imagens: Acima à direita, Alfred Russel Wallace; mais abaixo, à esquerda, Thomas Reid.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Naturalidade



Por Gilberto (Esp.)/Rita Foelker

Aceitar a naturalidade das comunicações mediúnicas nos momentos de reunião do grupo ou, alhures, em meio às ocupações rotineiras ou nos momentos de repouso, é tão somente reconhecer, na mediunidade, as características de um sentido espiritual de que não nos podemos desfazer e retomar, a bel prazer.
Percepções mediúnicas podem estar presentes com frequência em nossas vidas, sem que delas nos tornemos dependentes e sem que tenhamos de abandonar os afazeres normais.
Nenhuma pessoa em equilíbrio passará horas seguidas a ocupar-se dos misteres mediúnicos, no entanto, é inegável que intuições, vidências ou percepções outras não têm hora ou lugar específico para acontecer. Um aviso, uma inspiração, podem ser maneiras dos Benfeitores Espirituais se achegarem a nós, quando o temor, a dúvida ou a revolta estiverem prontas a envolver nossos corações.
Os contatos com a Espiritualidade serão benfazejos quando, ao favorecer a harmonização íntima e a compreensão superior das situações que atravessamos, nos permitam ajudar com nossa fé e nossas palavras aqueles que a vida aproximou de nós. Quando, porém, tornarem-se motivo de alienação dos deveres diários, fuga da realidade e do convívio com os irmãos, é necessário encontrar, na balança das necessidades diárias, o equilíbrio entre as tarefas mediúnicas e as solicitações da vida física.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Mediunidade e segurança



Por Gilberto (Esp.)/Rita Foelker

É importante que o médium sinta-se seguro quanto ao seu próprio potencial mediúnico. O exercício constante e as variegadas experimentações permitirão que aja com desenvoltura nas mais diversas expressões de sua faculdade.
O conhecimento adquirido em leituras e no diálogo com médiuns mais experimentados será de suma importância no entendimento do que se passa durante as manifestações e na construção da atitude íntima mais propícia aos bons resultados.
No entanto, a firme certeza das próprias capacidades não será sinônimo de impressão de infalibilidade. Diante das multifacetadas personalidades desencarnadas de que será intermediário, sempre estará sujeito aos mais diferentes matizes do pensamento e das emoções, que poderá não estar apto a reconhecer sozinho. Mediunidade é porta aberta a contatos espirituais tão singulares quanto as características das personalidades comunicantes, e a verificação dos objetivos e propósitos das comunicações só pode ser feita, retomando cuidadosamente a escrita ou a fala, analisando-as para perscrutar-lhes as reais intenções.
Incomoda a alguns médiuns ter suas comunicações analisadas, geralmente pela própria insegurança. Mas ao seguidor do Cristo deve a verdade importar, acima dos personalismos.
Até porque, quanto mais minuciosa a análise da produção mediúnica, maior o conhecimento da própria mediunidade e maior poderá ser a segurança quanto às próprias possibilidades. O médium sincero não deseja permanecer iludido ou cego, porque a ilusão e a cegueira prejudicam seu desempenho, limitando as suas possibilidades de trabalhar na Seara do Bem.
Ao mesmo tempo, todo esforço sincero de desenvolvimento pessoal e aprimoramento mediúnico, ainda que pareça um pequeno passo, será levado à conta de inestimável conquista espiritual, quando não se envergonha de si mesma na pretensão de demonstrar qualidades outras que, embora desejáveis, ainda permanecem imaturas no imo do Ser.