sábado, 31 de março de 2012

Ir


Por Aymará (Esp.) / Rita Foelker



"Ir" é uma palavra cujo significado não é originário do mundo espiritual, mas os visionários e os seguidores sempre pensaram na jornada espiritual como um modo de ir.
Ir é uma ideia que só faz sentido num contexto onde a dimensão espaço-temporal foi configurada e onde seres receberam corpos para percorrê-la. Foi percorrendo planícies e estradas, viajando no dia e na noite, indo para o Norte ou para o Oeste, subindo ou descendo, que os seres aprenderam a usar esses termos para se referirem ao caminho espiritual.
O caminho espiritual, porém, está estritamente relacionado a 'ser' – onde quer que se esteja. E cada criatura que você encontra – a mulher de chapéu na cabeça, o moço de bicicleta, o engravatado – cada criatura pode pensar que sua jornada é uma questão de ir ao mercado, ao passeio ou trabalho, mas tudo não passa de uma questão de ser.
A vida no mundo do espaço-tempo cria analogias para a caminhada fácil e a caminhada difícil, para seguir até o centro ou dele afastar-se, para buscar paz ou confusão, e tudo isto dá ideia de que se está indo a algum lugar fora, mais fácil ou mais difícil de se alcançar.
Mas isto é uma grande ilusão, porque onde quer que o caminhante esteja, entre o Leste e o Oeste, entre o Sul e o Norte, há o ponto central de sua vida localizado em si mesmo, onde ele decide (ou descobre) quem ele realmente é, e a partir daí nada mais ao redor parece o mesmo.
Olhai, então, cada caminhante ao seu lado como uma essência a caminho da descoberta de si mesmo, cada um pensando para onde vai, tomando decisões mais ou menos relevantes para seu futuro, mas caminhando para a mesma descoberta e decisão sobre si, reservada a todos os seres de todos os planos.
Na Terra, pode-se estar perdido no caminho, o que significa “esquecido” na dimensão do ser. E quem se lembra pode, então, auxiliar quem ainda precisa se lembrar de quem é. Aqueles que se lembram não são, por esse motivo, diferentes ou especiais, eles apenas lembram do que alguém esqueceu, como a chave que liga o carro ou o endereço de certo destino.

sábado, 17 de março de 2012

A teia da mente II

Por Aymará (Esp.) / Rita Foelker

Nos dias que passam, você próprio pode saber que é um prisioneiro da teia da mente.
Você percebe isso por meio dos pensamentos que o capturam e o engolem.
Eles vêm de um lugar que não se consegue identificar, porque é como se estivessem de tocaia aguardando sua distração para atacar. E então eles agarram você de modo certeiro, tornando-se o centro de sua vida e desequilibrando todo o seu sistema, pois o centro de sua vida era para ser a busca da sua alma e, não, a confusão da sua mente.
E quando você se esquece da busca da sua alma, é que você é pego ou pega.
A vida centralizada na confusão da mente é uma vida estranha, insegura e repleta de sobressaltos que assomam aos pequenos incômodos da experiência na Terra. A vida centrada na busca da alma é sempre serena e consciente da luz que mostra o caminho.
O modo de lidar com pensamentos captores, portanto, é saber, não de onde vem o atacante (o que em geral não é possível nesse estado mental), mas o que distrai você da busca da sua alma.
E o que distrai é a sua distância de si mesmo. Porque uma pessoa pode viver a milhares de milhas de si mesma e ainda sobreviver, porém, quanto mais longe, mais fracos os sinais, mais difícil a conexão. Então você precisa de um modo de reaproximar-se de si mesmo e de retomar a busca da sua alma.
Os antigos têm feito isso pelos meios mais conhecidos de alcançar o transe. Mas de fato não há nenhuma garantia de que o transe o leve para o centro de si mesmo, exceto se você desejar humildemente e se sinceramente pedir ao Grande Espírito (Viracocha, Deus, a força superior e bem supremo a tudo, o poder em que você acredita com o nome pelo qual costuma chamá-lo) que o conduza. Mas então, você abre mão do comando, que geralmente já foi entregue à confusão da mente que domina você e faz você crer que tem o controle. E se coloca sob o controle desse poder supremo.
Essa condição é facilmente reconhecível, porque seu amor preenche todos os espaços do espaço e todos os tempos do tempo e lhe permite a perspectiva de infinitude e imortalidade que somente a alma alcança. Ele lhe dará a sensação de ser um com tudo sem deixar de ser você. Ele lhe mostrará a verdadeira importância ou desimportância do seu ruminar cotidiano de pensamentos.
Só assim você pode se prevenir da distração que o torna presa de seus pensamentos e preocupações. Ele lhe dará a visão do tamanho verdadeiro de cada coisa. Ele poderá até ajudá-lo a cuidar dos seus problemas e preocupações, não como um homúnculo diante do maremoto, mas como um pássaro indômito.
O que o preocupa? O que o captura? A natureza dos pensamentos que o capturam serve para que você aprenda sobre onde é premente que se fortaleça. Sua ação tem uma utilidade.
Então, aprenda a usar a sua mente a seu favor e ela irá servir-lhe de ferramenta e escudo, ferramenta para construir-se como um ser mais elevado e escudo para deixar de ser ferido em suas próprias regiões mais frágeis, enquanto não se torna um ser mais fortalecido.


Leia também: A teia da mente.

sábado, 10 de março de 2012

Natureza e sobrenatureza*

Por Rita Foelker

Imagem: Associação Mata Ciliar
O ser humano pertence à natureza ou é uma criatura à parte (talvez, acima dela)? O que a filosofia espírita pensa a respeito? Quais as consequências desse pensamento para o mundo de hoje?

Edgar Morin, abre o primeiro capítulo do livro O paradigma perdido: a natureza humana[i] com algumas reflexões inquietantes. Ele fala de como o ser humano usou seu conhecimento para se destacar da natureza e reduzi-la a objeto, domesticá-la, dominá-la.
Confinamos animais em jaulas; os diferentes, em reservas; edificamos nossas cidades em pedra e aço, fomos ao espaço, compusemos sinfonias e, por algum mecanismo psicológico que persistiu por séculos, passamos a nos acreditar seres sobrenaturais (acima ou fora da Natureza), segundo Morin. Não creio que esta afirmação precise ser comprovada.
Descartes, filósofo da Idade Moderna, começou esse movimento na filosofia ocidental, em suas Meditações metafísicas. Por meio de seu solilóquio que narra as suas dúvidas e sua busca de clareza e distinção do conhecimento, o filósofo aparece isolado das coisas que são objeto de sua investigação. Ele contempla o mundo exterior, cuja existência tenta provar, e passa a enxergar-se como sujeito que visa objetos totalmente separados de si mesmo, os quais pode conhecer e manipular. Morin observa que foi a partir dessas ideias de Descartes que aprendemos a pensar "contra a Natureza", assumindo a missão de subjugá-la e dominá-la como algo a que não pertencemos. Afinal, ela seria apenas uma coisa e nós seríamos seres inteligentes e independentes do que ocorrer com ela.


Modos de ver e de agir

Observamos, hoje em dia, os efeitos perniciosos dessa visão fragmentada da realidade em duas camadas superpostas: sujeito/objeto, homem/natureza, dominador/dominado, eu/os outros. Tal ideia de separação e fragmentação tomou conta de nossos pensamentos e nos tornou reféns de uma concepção equivocada da existência, a qual é importante rever, por razões a seguir.
Outros autores, como David Bohm, observam as dificuldades que essa visão de mundo oferece ao bem estar da humanidade, ao próprio equilíbrio ecológico, comprometendo nossa sobrevivência como espécie. Em Sobre a criatividade, Bohm escreve: “Consideremos, por exemplo, a questão do estabelecimento de um equilíbrio ecológico apropriado. Isso exige que o mundo inteiro, com toda a atividade humana, seja considerado uma unidade integral e contínua. Se as pessoas que estudam ecologia e tentam aplicar seu conhecimento, sem saber, estão comprometidas com interesses econômicos, políticos, sociais ou nacionais próprios ou de seus grupos, como poderiam permitir que o universal seja prioridade em seus pensamentos? Inevitavelmente haverá pressões e uma tendência contínua a se pensar de modo fragmentário, apropriado à necessidade de colocar os interesses individuais em primeiro lugar. E não será possível pensar sobre esse assunto e falar sobre aspectos relevantes à totalidade dos ciclos ecológicos do planeta”[ii].
Quando me percebo pertencendo ao todo da Natureza, penso, sinto e ajo de certa forma; quando me ponho à distância dela, muda meu sentir, meu pensar e minha ação. Ou seja: partindo do que Bohm escreve, temos consequências positivas de se passar a considerar a Natureza como um todo interdependente e a nós mesmos como partes dela.


Visão na filosofia espírita

Aqui, talvez surpreendentemente, encontraremos um ponto onde a filosofia espírita também já estava adiante de seu tempo, no século XIX: a ideia de que tudo pertence à Natureza – incluindo-se os espíritos – e de que não existe nada que seja sobrenatural, pois todas as leis e todos os seres são naturais, e todos os fenômenos se explicam por causas naturais.
No item 10 do capítulo 2 de O livro dos médiuns, lemos que “aos olhos daqueles que veem na matéria a única potência da Natureza, tudo o que não pode ser explicado pelas leis materiais é maravilhoso ou sobrenatural.” Quer dizer que a origem da ideia de uma “sobrenatureza” é atribuída às crenças materialistas. Em sua percepção da realidade, contudo, a doutrina espírita inovava quando se propunha a explicar os próprios fenômenos mediúnicos como efeitos de causas naturais, ainda que desconhecidas ou invisíveis. De acordo com ela, não há nada que não pertença à Natureza, enquanto Criação divina.
À época e ainda hoje, a religião era e continua sendo uma das instituições que vê na matéria a “única potência da Natureza”, por isso chama de sobrenatural tudo o que não pode ser explicado materialmente. O espírito é um ser à parte. Essa mesma religião contribuiu, portanto, para uma visão cindida do mundo, enquanto a filosofia espírita propunha uma visão integrada.
Essa noção espírita é reforçada pelo exposto sobre as “Ocupações e missões dos espíritos”, no capítulo 10 da 2ª parte de O livro dos espíritos. A questão 558 indaga se há algo mais que cabe aos espíritos fazerem, além de progredir individualmente. A resposta é que “eles concorrem para a harmonia do Universo ao executar os desígnios de Deus”. A missão dos espíritos encarnados, segundo a questão 573, consiste em “instruir os homens, ajudar em seu adiantamento, melhorar suas instituições pelos meios diretos e materiais; mas as missões são mais ou menos gerais e importantes: aquele que cultiva a terra realiza uma missão, como aquele que governa ou que instrui. Tudo se encadeia na Natureza; ao mesmo tempo que o Espírito se depura pela encarnação, concorre, dessa forma, para a realização dos desígnios da Providência. Cada um tem sua missão na Terra, cada um pode ser útil para alguma coisa”.
Uma visão de Natureza na qual tudo se encadeia, interage e interdepende, como a presente nas obras básicas do espiritismo, é o caminho para as decisões que afetarão positivamente a humanidade, o meio ambiente e o planeta. Stanislav e Christina Grof[iii] observam que tal visão é um item fundamental para as mudanças que precisam acontecer em nossa forma de pensar, decidir e agir. “Uma nova compreensão da unidade de todas as coisas (...) resulta em preocupações fortemente ecológicas e em maior tolerância para com os demais seres humanos. A consideração para com a humanidade, a compaixão por todas as formas de vida e o raciocínio que leva em conta todo o planeta assumem prioridade em relação aos estreitos interesses individuais, familiares, político-partidários, classistas, nacionais e sectários. O que nos une a todos e o que temos em comum tornam-se mais importantes que nossas diferenças, que são vistas mais como enriquecedoras que ameaçadoras”.
Os pensamentos e decisões que visam ao todo, que repousam sobre a compreensão da unidade da Natureza e o respeito a todas as criaturas, têm lugar na filosofia espírita desde a segunda metade do século XIX, mas ainda precisam participar mais efetivamente de nossas vidas cotidianas, de nossas pequenas e grandes escolhas. É preciso avançar na percepção das decorrências dessa noção de pertença e responsabilidade de cada ser perante a Natureza e a vida.

Pensar contra a Natureza

Um dos sintomas contemporâneos de nossa forma de pensar contra a Natureza é o tipo de imposição de padrões artificiais de beleza exercida sobre as mulheres, ainda que seja tudo uma grande fantasia, visto que há limites para as alterações físicas que podemos fazer em nós mesmos.
Isso leva muitas mulheres a atitudes contrárias à sua própria saúde orgânica e psicológica, gerando distúrbios gravíssimos.



[i] Lisboa: Publicações Europa-América, 1973.
[ii] BOHM, David. Sobre a criatividade. São Paulo: Unesp, 2011. p.72.
[iii] WALSH, Roger. Caminhos além do ego. São Paulo: Cultrix, 1997. p.236.

_____
* Texto publicado originalmente no site da FEAL - Fundação Espírita André Luiz - em Março de 2012.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Variações de humor


Por Gilberto (Esp.)/Rita Foelker


Um dos sintomas da mediunidade que aflora e um dos percalços com que podem se deparar, mesmo os médiuns mais experimentados, é o das variações de humor.
Isto se explica: dentro da impressionabilidade dos médiuns, em geral, o campo das emoções é o mais sujeito a influências que lhe alterem os padrões. Ainda quando não seja possível transmissão de conteúdos, de pensamentos concatenados, nossas emoções podem ser influenciadas com muita facilidade, modificando o nosso estado geral.
Como, via de regra, entre os Espíritos perturbadores, o campo emocional é o mais comprometido, a simples proximidade, uma mínima assimilação dos fluídos emanados por estas criaturas pode afetar o médium de forma sutil ou mesmo fortemente.
Acresce o fato de que a maioria dos encarnados tem pouco conhecimento e domínio das próprias emoções, tornando-se incapazes de perceber-lhes as mudanças e atribuir-lhes as verdadeiras causas.
Por isso é imprescindível que os médiuns que desejem encarar com seriedade o compromisso mediúnico e habilitar-se ao serviço em reuniões de socorro ou instrução iniciem o quanto antes o exercício da auto-observação, da autoanálise, da percepção de seus padrões emocionais diários e daquilo que pode alterá-los, formando um conceito mais ou menos preciso das suas variações mais comuns. Mudanças de humor sem causa aparente (irritação, apatia, depressão, euforia) podem resultar da aproximação e sintonia com Espíritos diversos. 
Às vezes, pode ser simples atuação de criaturas que conosco simpatizam ou antipatizam. Outras vezes, sobretudo no dia ou na véspera da reunião mediúnica, pode ser uma providência dos Dirigentes Espirituais, que começam a trabalhar na ligação fluídica para facilitar o processo da comunicação, quando chegar a hora.
Em qualquer dos casos, é recomendável que o médium esteja ciente e aja de modo a cooperar, quando for o caso, mas sem desarmonizar-se consigo mesmo nem prejudicar-se nas suas ocupações normais.

_____
A série ABC da Prática Mediúnica encerra-se com este post. Para acessar todos os posts, é só buscar o título da série na coluna à esquerda, entre os marcadores. Clique e acesse, lembrando que o primeiro foi Afinidade.