quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Cultivando um novo olhar para uma nova ordem de conhecimentos

Por Rita Foelker - Texto inédito

Cena do Bhagavad Gitã, com Krishna e Arjuna.
Os livros vêm guardando, há séculos, as bases das mais diversas doutrinas e religiões no mundo todo. Temos assim o Bhagavad gitã, para os hindus; o Corão, para os muçulmanos; a Bíblia para católicos e protestantes; a Torá para os judeus; a Codificação para os espíritas, apenas para citar alguns dos mais conhecidos entre nós.
Esses livros adquiriram grande importância cultural e histórica, como fontes de conhecimento destinado aos seres humanos que buscam aproximar-se de Deus e pautar sua conduta por ideais elevados de vida, no âmbito pessoal, familiar e social. Sua influência nos costumes de cada povo é inquestionável.
Uma base doutrinal ou filosófica reunida especialmente em livros supõe uma comunidade de adeptos ou seguidores aptos a lerem e a compreenderem o que leem.
Ler, por sua vez, é muito mais que decodificar símbolos gráficos e visualizar palavras. Ler é um processo que envolve compreensão de significados e percepção de sentidos do texto; recurso a conteúdos gravados na memória, libertação de muitos preconceitos, tudo isso para assimilação do conteúdo da forma  mais límpida e pura possível.
Nós, contudo, raramente nos lembramos de tudo isso. Ao depor nosso olhar sobre uma frase, carregamos este olhar com estilos de pensar e crenças preexistentes, com nossos preconceitos e gostos pessoais, com nossas noções rígidas de certo e errado que contaminam a leitura, comprometendo a compreensão do trecho lido.
Assim é que, hoje, ao ler as obras de Kardec, a fim de atingir um bom grau de entendimento das ideias e conceitos ali presentes, precisamos nos libertar de formas de pensar trazidas de meios de onde viemos e de textos anteriormente lidos.

Um exemplo

A Torá, o livro sagrado dos judeus
A ideia de uma punição após a morte física, reservada aos seguidores que não cumprem certos preceitos de comportamento e moral, e de recompensa pela conduta adequada, é comum a várias religiões.
Mas, e quanto aos livros de kardec, o que eles dizem? Que a alma, ao desencarnar, irá vivenciar as condições inerentes ao seu grau de evolução e ao estado de consciência moral em que se encontre. E que estas condições íntimas o aproximarão de criaturas afins do plano espiritual e, mesmo, entre os encarnados.
O que existe, portanto, não é um decreto divino de prisão, sofrimento, paz ou felicidade, mas a própria dinâmica das leis divinas que define a situação do espírito desencarnado o qual, acrescente-se, também não é estático, mas condicionado ao arrependimento e à procura da melhoria interior, sempre acessível em qualquer momento da jornada e estágio evolutivo alcançado.
Tudo o que foi dito pressupõe, então, a transformação intima como chave para se entender o sentido das afirmações da doutrina espírita em seus livros básicos, ainda quando a linguagem deste ou daquele espírito fale de penas e recompensas, pois é preciso capturar o sentido dessas expressões dentro do contexto geral do espiritismo e não, como se fosse um texto católico, judaico ou outro.

Logo...

O Corão ou Alcorão é o livro sagrado dos muçulmanos
Quando procuramos conhecer outros pensamentos filosóficos ou religiosos, quando lemos o Gitã ou a Torá, a mesma atitude deveria prevalecer, com abertura de entendimento para significados e sentidos diversos daqueles aos quais o conhecimento espírita nos possa ter habituado. As concordâncias e discordâncias entre visões distintas precisam ser objetivas e, não, forçadas por pontos de vista parciais.
A observação de Kardec nos "Prolegômenos" de O livro dos espíritos, segundo a qual "o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por homens sérios, perseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultado", aplica-se a qualquer ordem de conhecimento novo para nós, que desejemos adentrar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Ser humilde é bem mais fácil *

Love Rooted (2010), por Karmym
Por Rita Foelker

Estava ao mesmo tempo pesquisando para escrever este artigo e agindo por curiosidade pessoal, enquanto procurava relacionar algumas desvantagens do orgulho. Porque se ele é uma espécie de cegueira ou de miopia – O evangelho segundo o espiritismo fala em “catarata” – que distorce as coisas para as quais olhamos e também a nossa própria imagem, é quase certo que o orgulhoso não consiga enxergar claramente as dificuldades que o orgulho lhe acarreta. 

Calunga, o querido amigo espiritual, apresentou algumas. Diz ele: "O orgulho vai fazer você perder totalmente a isenção do discernimento. O orgulho vai impedir de pedir desculpas, mesmo quando lá no fundo você sentir que está errado. E vai fazer você viver como um ser diferente daquele que você é".

Discernimento é um instrumento muito importante para nossa orientação e decisões na vida. O filósofo e escritor indiano Jiddu Krishnamurti em Aos pés do mestre, adverte que ele “deve ser exercido entre o bem e o mal, o importante e o não importante, o útil e o inútil, o verdadeiro e o falso, o egoísta e o desinteressado”. Pense nas mentiras que tomamos por verdades, no mal que consideramos como bem, e pense nas possíveis consequências. Fiquei imaginando as coisas desimportantes que ele nos faz considerar importantes, e o esforço inútil que é despendido em obtê-las, quando poderíamos fazer algo útil (mas falta discernimento!). O jornalista Emile Henry Gauvreay observa com perspicácia que: “Construímos um sistema que nos convence a gastar dinheiro que não temos, para comprar coisas de que não precisamos, para criar impressões que não vão durar em pessoas para quem nem ligamos”. Vê-se que o orgulho, além de nos impedir de discernir, ainda nos faz trabalhar e lutar por objetos e satisfações que se mostram vazias e ilusórias. 

Bom, até aqui falamos de “coisas externas”... 

Mas depois, ao olhar para nós mesmos, segundo Calunga, não apreciaremos ter falhado ou nos termos equivocado, se o orgulho não permitir. Sempre nos daremos razão, porque admitir erros, para o orgulho, equivale a diminuir-se. E como ele, alterando nossa visão, modifica nossa ação segundo o que ele nos permite ver, não conseguiremos ser nós mesmos. 

Mas acontece que "quem tem medo dos erros cometidos é o orgulho tagarelando na sua cabeça. O orgulho não gosta de errar e não gosta de ver que errou. Ele vai se doer todo, se tiver que aceitar a verdade. Já a humildade não dói...", afirma o amigo espiritual. 

O orgulho, além do mais, já provocou outras confusões sérias, de efeitos terríveis. Lemos no capítulo 7 de A gênese, de Kardec, que o orgulho fez com que o ser humano afirmasse terem sido os animais criados por sua causa e para satisfação de suas necessidades. Um equívoco que ainda convence muitas pessoas atualmente. Um pouco de clareza mental, contudo, leva a um raciocínio: o de que o número dos animais que têm alguma serventia para os seres humanos é ínfimo, perante a quantidade daqueles com os quais ele nunca se relacionou nem vai se relacionar. “Como se pode sustentar semelhante tese, em face das inumeráveis espécies que exclusivamente povoaram a Terra por milhares e milhares de séculos, antes que ele aí surgisse, e que afinal desapareceram? Poder-se-á afirmar que elas foram criadas em seu proveito?” 

Bem, continuando com nossa listinha de desvantagens, o orgulho também impede os ganhos da aprendizagem, sendo um fator de manutenção da ignorância. O capítulo 15 também d’A gênese, menciona o orgulho dos fariseus, afirmando que eles consideravam sua inteligência superior à dos demais e não aceitariam uma observação de uma pessoa do povo. Isso nos lembra de uma ideia inteligentemente oposta, a de Cora Coralina, que diz: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes”. 

O orgulho também, junto com o egoísmo, pode levar a prejudicar os semelhantes. No capítulo 18 d’A gênese, lê-se: “Enquanto o orgulho e o egoísmo o dominarem, o homem se servirá da sua inteligência e dos seus conhecimentos para satisfazer às suas paixões e aos seus interesses pessoais, razão por que os aplica em aperfeiçoar os meios de prejudicar os seus semelhantes e de os destruir.” 

Passando para outro livro, chegamos a O céu e o inferno, onde textualmente lemos que “o orgulho é o inimigo da felicidade. É dele que promanam todos os males que acometem a Humanidade e a perseguem até nas regiões celestes". Ou seja, além de não deixar discernir, promover a ignorância, prejudicar o próximo e impedir a felicidade, ele ainda acompanha a criatura até a outra vida!!! 

Em O evangelho segundo o espiritismo, capítulo VII, Kardec observa que o orgulho é um ato de revolta contra Deus. Como um dos problemas que acometem nossa visão – falamos de cegueira e miopia –, no mesmo capítulo está escrito que “o orgulho é a catarata que tolda a visão. De que vale apresentar a luz a um cego? Necessário é que, antes, se lhe destrua a causa do mal. Daí vem que, médico hábil, Deus primeiramente corrige o orgulho”. 

O que é um fato, pois decorrente do probleminha de visão, é que desde que “o orgulho se mostra indulgente para com tudo o que o lisonjeia”, ele também não lhe permite observar a falsidade e a hipocrisia, alegrando-se com a lisonja e os falsos elogios. 

“O orgulho é o terrível adversário da humildade.” “O orgulho, eis a fonte de todos os vossos males.” “O orgulho é sempre castigado, cedo ou tarde, pela decepção e pelos malogros que lhe são infligidos.” São outras afirmações pertencentes às obras de Kardec sobre o mesmo tema, que nos deveriam deixar de sobreaviso perante suas investidas. 

E até o momento ainda não eu nada escrevi sobre as ciladas que o orgulho reserva especificamente aos médiuns. O livro dos médiuns inclui os médiuns orgulhosos entre os médiuns imperfeitos (item 196), definindo-os como aqueles que “se envaidecem das comunicações que lhes são dadas; julgam que nada mais têm que aprender no Espiritismo e não tomam para si as lições que recebem frequentemente dos Espíritos. Não se contentam com as faculdades que possuem, querem tê-las todas”. Como variedade desses, considera os médiuns suscetíveis: aqueles que “suscetibilizam-se com as críticas de que sejam objeto suas comunicações; zangam-se com a menor contradição e, se mostram o que obtêm, é para que seja admirado e não para que se lhes dê um parecer. Geralmente, tomam aversão às pessoas que os não aplaudem sem restrições e fogem das reuniões onde não possam impor-se e dominar”. 

Por outro lado, para que as palavras dos espíritos superiores chegue até nós isenta de qualquer alteração, são condições necessárias querer o bem e repelir o orgulho e o egoísmo (item 226). O médium orgulhoso, portanto, dificilmente poderá ser um intermediário confiável de instruções espirituais aos encarnados. 

Bom, talvez já esteja suficiente para uma primeira oportunidade. Não desejamos cansar o leitor, apenas esperamos, com apoio nessas referências citadas, ter colocado o orgulho sob uma luz tão forte, que seja muito difícil evitar enxergar...

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* Texto publicado no site da Fundação Espírita André Luiz em 01/11/12