quarta-feira, 27 de março de 2013

LSD como telescópio/microscópio da alma humana?


Por Rita Foelker - Texto inédito

Esta é provavelmente uma afirmação polêmica nos dias de hoje: "LSD é um catalisador ou amplificador de processos mentais. Se usado propriamente ele poderia tornar-se algo como o microscópio ou telescópio da psiquiatria." Encontrei esta imagem numa página do Facebook, e não posso deixar de concordar, conhecendo a obra de Stanislav Grof, sua visão, seriedade e resultados alcançados. Ela consta no epílogo de seu livro LSD Psychoterapy (Hunter House Publishers).
Mas também verifico a imprudência de tomar frases soltas sem considerar o contexto ao qual elas pertencem. De fato, Grof utilizou LSD na época em que era liberado para uso médico, e assim ajudou muitos de seus pacientes, como lemos em seu livro Psicologia do futuro (Ed. Heresis). 
Mas a sua afirmação, assim jogada, poderia conduzir a uma interpretação equivocada: de que seu uso deveria ser liberado indiscriminadamente, que um "acidozinho" de vez em quanto não tem nada demais - o que não me parece ser o caso!
Acredito, porém, que um enteógeno ou, no caso, um psicodélico, como o LSD possa ser usado para uma pessoa se conhecer ou, mesmo, para se tratar. Talvez, então, a chave para entender essas palavras esteja em definir o que são "usos próprios e impróprios", o que resultaria na disponibilização de uma ferramenta importante para terapia.
Antes disso, no entanto, como o próprio Grof, afirma na sequência do mesmo texto, o "o uso seguro e eficaz desta droga requer uma revisão fundamental da teoria existente e da prática da psicoterapia". 
Sei que meus queridos amigos espíritas podem estar se recordando, neste momento, do trecho da biografia de Chico (As vidas de Chico Xavier, por Marcel Souto Maior, Ed. Planeta), em que Emmanuel lhe proporciona duas experiências com LSD e lhe diz, ao final: "Você está vendo seu próprio mundo íntimo,fora de você." Que é o mesmo que ocorria, nas sessões de terapia de Grof, com os pacientes descobrindo coisas sobre seu passado e sobre seu presente que, adequadamente abordadas, conduziam a alívio e melhora.
Mas então, Emmanuel conclui: "Moral da história: Nós estamos aqui para cumprir obrigações, não para gozar um céu imaginário nem para fantasiar um inferno que devemos evitar." Sim, claro! Não estamos aqui na Terra para praticar o uso recreacional de psicoativos, que era um modismo no ano de 1958, data em que a experiência ocorreu. Até porque, como observação pessoal minha, entendo que o tipo de sensibilidade e de possibilidade de sintonia que o processo permite, quando não há um propósito elevado (autoconhecimento ou cura), pode ter efeitos desastrosos, do mesmo modo que a mediunidade descontrolada e desorientada. Ainda citando o mesmo capítulo de LSD Psychoterapy, o autor afirma, sobre a substância: "depois de mais de vinte anos de pesquisa clínica, sinto grande admiração em relação a ambos os seus potenciais, o positivo e e negativo".
Mas ainda fico com Grof, quando ele diz que "espiritualidade é uma propriedade intrínseca da psique, que emerge espontaneamente quando o processo de auto-exploração vai suficientemente fundo" (em The world of shamanism, new views of a ancient tradition, de Roger Walsh (org.), Llewellyn Publications). E, segundo acredito, enteógenos e psicodélicos, utilizados propriamente, poderiam contribuir para isso.


terça-feira, 26 de março de 2013

Gente com defeito?*


Por Rita Foelker – Para o site da FEAL


Essa ideia de pessoas com defeitos tem alguns defeitos. Um deles está em considerar que Deus criou coisas defeituosas ou que podem apresentar defeito. Outro defeito é tratar-se, com nosso estrabismo ou miopia habitual, de um incentivo a enxergarmos e apontarmos defeitos nos outros. Em geral, nosso ego adere a esse tipo de atitude muito facilmente, bem como a tudo o que o engrandeça e destaque.
Mas vamos, apenas e exclusivamente neste texto, chamar de defeitos aquilo que nos incomoda ou desagrada em outras pessoas, razão pela qual os desaprovamos. Isso é bem genérico. E não é difícil... Vamos lá! Nesse sentido, podemos dizer que todo mundo tem "defeitos".
Olhando bem, logo notamos que alguns "defeitos" e "pessoas" são mais difíceis pra nós, pois nos incomodam mais. No entanto, também notamos que está cheio de gente com defeitos que não nos afetam!  A questão, portanto, não é o defeito do outro, mas, sim, como e por que aquilo nos afeta.
Comecei a pensar sobre isso. Fui procurar me entender, a partir dessas minhas reações, tentar me conhecer melhor. Afinal, acredito em evoluir pra me tornar um ser melhor. Tanto eu, quanto os outros. E acredito no autoconhecimento como um caminho importante na evolução.
Notei que certos “defeitos” me afetavam quando surgiam em pessoas próximas a mim, em relação às quais nutria certas expectativas. Tais expectativas costumam ter fundamento? Em alguns casos. Se certa mãe que devia cuidar do filho pequeno não consegue suprir as necessidades dele, poderíamos dizer que o incômodo tem uma base, desde que há uma expectativa legítima de que mães acalentem e cuidem de seus filhos. Mas é preciso considerar que não existe apenas isso, pois há também a condição material, mental e emocional da mãe, de atender a essas necessidades ou não, e pode haver um motivo específico que explique seu comportamento. Seres humanos têm desafios complexos e se complicam emocionalmente, iludem-se com prioridades fictícias, adoecem, perdem empregos...
Pensando assim, também passei a focar nas virtudes e qualidades que antes estavam ocultas na pessoa, sob aquele pretenso “defeito” que até então me incomodava tanto. E vi que lá estava aquela criatura, exercitando essas qualidades e se desenvolvendo, segundo sua possibilidade e compreensão da vida.
Assim, comecei a ter um olhar mais positivo, que os budistas talvez chamassem de “compassivo”. Isso não implica fechar os olhos, mas olhar de outra maneira. Isso também não faz nossa dificuldade passar e tudo ficar instantaneamente maravilhoso. Mas melhora bem a possibilidade de compreensão e convivência.
Não vou dizer aqui que costumamos enxergar nos outros aquilo que não conseguimos ver em nós mesmos, porque é um fato que já comprovei e uma abordagem já muito batida. Mas até nesse sentido, enxergar no outro o que precisamos descobrir em nós é uma sabedoria das Leis Divinas e uma providência educativa.
A inteligência emocional, a percepção de como estamos nos sentindo, é algo muito valioso, para lidar com tais questões de maneira mais sensata possível. Como observa Eckhart Tolle em O poder do silêncio (Ed. Sextante): “Reclamar e reagir são as formas preferidas da mente para fortalecer o ego. O eu autocentrado precisa do conflito para fortalecer sua identidade. Ao lutar contra algo ou alguém, ele demonstra pra si mesmo que ‘isto sou eu’ e ‘aquilo não sou eu’. É comum que países procurem fortalecer sua sensação de identidade coletiva colocando-se em oposição aos seus inimigos.” Pode ser, então, que atribuir defeitos seja mais um modo de nos afirmarmos – e simplesmente isto! Os defeitos, então, estão na nossa visão egocentrada e não na pessoa, considerada como essencialmente uma criatura divina em vias de progresso espiritual, seguindo sua trajetória e fazendo uso de seu livre-arbítrio.
Além do mais, o conceito de “defeito” que adotamos para este texto, pode perfeitamente aplicar-se a nós mesmos. Nossas atitudes, hábitos e idiossincrasias podem andar desagradando pessoas por aí. Algumas ou muitas. Então, é melhor evitar radicalismos e expandir a compreensão. Reclamações, ações extremadas às vezes são infelizes, tanto em si mesmas quando nos resultados que ocasionam. Diz Emmanuel em Seara dos médiuns (FEB), “olvidemos os defeitos do próximo, na certeza de que todos nos encontramos sob o malho das horas, na bigorna da experiência.”

_____
* Texto publicado no site da FEAL (Fundação Espírita André Luiz), em 28/02/13

terça-feira, 5 de março de 2013

Imagem: a loucura do momento*


Uma vida mais espiritualizada pode prevenir possíveis transtornos mentais associados à vida moderna

Por Rita Foelker

O texto não é recente, foi postado em 2009, no blog “Beleza Sustentável”, reproduzido em outros blogs, e seu título é “Cirurgia de lipoaspiração?”. Escrita pelo músico e compositor Herbert Vianna, a postagem menciona o excesso de preocupações estéticas dos jovens de nosso tempo, e apresenta a pergunta: “ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos lipo e muito mais piração?”
Passados quase quatro anos, a situação mudou pouco, o que não impede que possa ser analisada sob um novo ângulo.
Recentemente, o psicólogo Frederico Eckschmidt colaborou na edição 10 do Leitura Espírita, de Fevereiro de 2013, com um texto onde observa os efeitos da ausência de uma compreensão espiritual da existência no aumento da incidência de doenças mentais, verificado em estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Enquanto isso, a palavra escolhida por Vianna para referir-se ao verdadeiro culto à imagem que temos desenvolvido é reveladora: “piração”. Mas qual seria a cura ou, então, a profilaxia para esse tipo de insanidade?

Como preencher o vazio interno

 “Hoje, Deus é a auto-imagem. Religião é dieta. Fé, só na estética. Ritual é malhação. Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo, sentimento é bobagem. Gordura é pecado mortal. Ruga é contravenção. Roubar pode, envelhecer não. Estria é caso de polícia. Celulite é falta de educação.” – define o cantor. O caso parece mesmo ser de uma “devoção religiosa” pela imagem, o que nos remete ao texto do Fred, no qual ele afirma que, além dos fatores neurológicos e psicológicos e do impacto de viver em áreas urbanas para a saúde mental, devido ao aumento de percepção da desigualdade social, isolamento e dissolução de relações, a ausência de espiritualidade pode também ser causa de doenças, notando-se ainda que, segundo ele escreve, “a vida em sociedades industriais e tecnológicas dificulta essa observação e/ou ocupação dos indivíduos com as práticas espirituais”.
Enquanto isso, em Kundalini: o mestre e o discípulo (Ed. Heresis), Kiu Eckstein nos deixa uma frase de seu mestre que bem resume isto: “A melhor de todas as terapias é voltar-se decididamente para um estilo de vida espiritual”.
De minha parte, estou cada vez mais convencida de que uma vida espiritual (ou espiritualizada) é sinônima de uma vida simples e de uma vida confiante. Uma vida onde se age com consciência, valorizando o que realmente importa, com segurança acerca das prioridades e sem abusos.
Entendo que simplicidade não tem a ver com falta, nem com privação.  Não é usar a coisa mais barata que existe, apenas para ser contra os hábitos burgueses. Ou ficar andrajoso, “molambento”. Entendo que há simplicidade em usar aquilo que nos faz bem, de acordo com nossas possibilidades.
Se eu tiver dinheiro e gostar de algo caro, para comer, vestir ou dirigir, creio ser possível  manter-se simples e usufruir esse “algo” caro. O ponto-chave da questão é fazer algo pra se sentir bem consigo mesmo e, não, pra ostentar, pra manter uma aparência ou imagem. Também não é crime nem pecado fazer plástica ou outro procedimento indicado para nós. A questão é agir segundo a própria consciência e, não, para preencher expectativas sociais. Há pessoas que se afundam em dívidas apenas para aparentar um nível de vida que não é o seu, para se fazerem magras e sem rugas, apesar de suas enormes frustrações e sofrimentos internos. E isso nada mais é que criar dificuldades para si mesmas, enovelar-se em situações desagradáveis, em lugar de caminhar para um estado mais pleno de felicidade e satisfação.
Da mesma maneira, o mais "em conta" ainda pode ser bem bacana e não precisa ser depreciado.
Ocorre que, para perceber isso, precisamos assentar bem os pés no chão e, para tanto, uma perspectiva espiritual da existência ajuda muito. Perceber quem e o que realmente importa mais pra nós. E continuar olhando para essas pessoas importantes, essas ideias e esses valores, tentando praticá-los. Mas para estarmos bem, é preciso ainda confiar na origem das ideias e valores que abraçamos, para fazê-lo com a necessária segurança que contribui para a paz íntima.
Reconhecemos, desse modo, a legitimidade do desejo ao qual Herbert Vianna se refere ao dizer que “Ok, eu também quero me sentir bem, quero caber nas roupas, quero ficar legal, quero caminhar, correr, viver muito, ter uma aparência legal”. Afinal, nada disso é negação de uma vida espiritualizada, onde existem simplicidade e confiança profunda na dimensão invisível da vida.

Para saber mais:
- Frederico Eckschimidt, Espiritualidade, doenças mentais e a evolução do cérebro humano. Jornal Leitura Espírita, Edição 10, fevereiro de 2013, página 10.
- Herbert Vianna, Cirurgia de lipoaspiração? Disponível em http://migre.me/d0JqT

_____
* Este texto foi publicado originalmente no jornal Leitura Espírita, Edição 11, de Março de 2013.