quinta-feira, 27 de março de 2014

Mediunidade não tem manual de instruções

Como faculdade humana, ela apresenta características que podem variar muito de um médium para outro

Por Rita Foelker -  Texto Inédito

Quando adquirimos um televisor na loja, ele vem acompanhado de um manual. Isso, porque televisores são fabricados em série. Todos os aparelhos, de mesma marca e modelo, funcionam igualmente e espera-se que o usuário encontre, no manual, orientações precisas sobre sua operação e controles.

Mas a faculdade mediúnica não pode ser abordada da mesma forma. Não há condutas padronizadas que levem a sentir a presença dos espíritos ou contatá-los e, nem mesmo, sobre como transmitir o que dizem.
A prática da mediunidade durante muito tempo esteve associada a mistério, a rituais ou a certas visões religiosas. Parecia ser algo totalmente dependente de causas e efeitos sobrenaturais, envolvendo pessoas com poderes ou dons especiais, em circunstâncias muito específicas, com formalismos vários. Esse tipo de visão frequentemente contaminou nosso entendimento acerca das reuniões espíritas e dos médiuns, criando padrões de comportamento ritualísticos.

Contudo, a filosofia espírita encara a mediunidade de um modo bastante diferente... Com a publicação de O livro dos médiuns, de Allan Kardec, em 1861, as potencialidades mediúnicas passaram a ser vistas como capacidades humanas naturais, que existem dentro e fora do contexto ritual ou religioso, e que independem de crença religiosa ou filosófica para produzir fenômenos.

Essa naturalidade, no entanto, não padroniza e nem deve levar a entender que a existência da mediunidade em todos os seres humanos significa que ela é igual em todos os seres humanos. Logo, cabe a cada médium entender e aprender a conviver com a sua própria mediunidade.

Desenvolvimento mediúnico natural

O livro dos médiuns contém instruções muito claras para quem deseja bem entender e exercitar a mediunidade. Uma das suas importantes contribuições à compreensão do tema é considerá-la como uma faculdade natural, que deriva de leis presentes na Natureza e que, portanto, não está limitada a certas crenças ou, mesmo, a práticas que visem “concedê-la”, “desenvolvê-la” ou “manifestá-la”.

A rigor, mediunidade é um tipo de sensibilidade que necessita de observação e análise, para ser compreendida e melhor vivenciada, visto ter caracteres distintos de um indivíduo para outro. Aquilo que um médium percebe, o modo como é registrado, física e/ou intelectualmente, o modo como é interpretado e manifestado para outras pessoas está relacionado a características individuais.

Um estudo que oferece um panorama geral da “variedade infinita de matizes” assumidos pela mediunidade está no capítulo XVI da obra citada, “Dos médiuns especiais”. (Destaca-se o termo “infinita”, escolhido por Kardec.) Lá encontramos médiuns para diferentes efeitos físicos e intelectuais; psicógrafos que diferem quanto ao modo como executam a psicografia; médiuns que se distinguem quanto ao nível de desenvolvimento da faculdade; médiuns que recebem mais facilmente comunicações em prosa ou poesia, com maior clareza ou obscuridade nos conceitos transmitidos; que abordam melhor temas filosóficos ou históricos ou, então, temas triviais, incluindo os obscenos; médiuns que são mais lentos ou mais velozes na recepção das comunicações; médiuns que se distinguem por suas qualidades morais, sendo presunçosos, suscetíveis, invejosos, de má-fé, ou então, humildes, devotados, sérios...

Observam-se diferenças também na intensidade dos efeitos que cada médium obtém. E além do mais, dificilmente um médium apresenta um só gênero de faculdade, existindo combinações numerosas possíveis, entre vários tipos mediúnicos, reunidos numa só pessoa.

Em vista disso, O livro dos médiuns não teria como ser um manual de instruções, nem de fórmulas, nem de receitas. Porque mediunidade não se manifesta sempre igual. E, pelo mesmo motivo, quem procura criar fórmulas e receitas para lidar com a mediunidade revela seu desconhecimento sobre a qualidade peculiar da faculdade mediúnica de cada um.

Por meio do estudo e do conhecimento, adquirido em boas leituras, no convívio com outros médiuns e no próprio exercício mediúnico, e pela própria auto-observação, cada qual vai compreendendo que é responsável pelos seus relacionamentos com os espíritos, pelos seus estados mentais e emocionais serem mais um menos influenciados, e, também, pelas comunicações que transmite. Com a experiência, pode aprender a distinguir seus pensamentos e emoções daqueles que provêm da ligação com os espíritos, o que lhe trará um acréscimo em autoconhecimento. Se bem aproveitar a oportunidade, encontrará também nà mediunidade uma condição que contribui para a sua própria evolução espiritual.