quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Thomas Mann e sua experiência com o "oculto"


Por Rita Foelker – Texto inédito

Thomas Mann (1875-1955) é um dos principais autores contemporâneos da língua alemã e escreveu o incomparável A montanha mágica (1924), entre outros livros importantes no panorama da literatura mundial. Seu interesse pela filosofia é reconhecido pelas incursões filosóficas presentes em vários pontos de sua obra, onde ele mesmo se torna um filósofo, sendo um caso típico seu ensaio intitulado Schopenhauer (1939).
Antes, porém, Thomas Mann escreveu uma crônica sobre um tema pelo qual confessa um “ardente interesse”: as manifestações paranormais, a que ele dá o nome de ocultismo. Tamanho interesse levou-o a participar das experiências envolvendo efeitos físicos, realizadas por Albert von Schrenck-Notzing (1862-1929, renomado pesquisador).
O relato que Thomas Mann produziu após seu primeiro contato direto com as manifestações, onde se misturam suas impressões, suas considerações e sua narração dos próprios fatos, recebeu o título de “Experiências ocultas”, cuja tradução para o português encontramos em Diálogo com o invisível, de Ubiratan Machado. O texto inicia-se com a justificativa pela escolha do tema, que ele considera “fantástico”, “desvairado”, “escabroso”, mas... irresistível.

O debate e o lado escolhido

Mann desenha um cenário com a sua visão do contexto cultural onde os fenômenos “ocultos” são debatidos. Segundo o autor, havia dois tipos extremos de posições da ciência na Alemanha a respeito desses fatos, uma “direita rigidamente conservadora” e uma “esquerda radical revolucionária”. De um lado, a negação obstinada de fenômenos que contrariassem a explicação racional; de outro, uma credulidade acrítica. Entre os extremos, muitas nuanças eram encontradas.
Mann admite colocar-se à esquerda. A justificativa para seu posicionamento era ter “acreditado na possibilidade das coisas mais diversas”, mesmo sem poder se “vangloriar de qualquer experiência pessoal no domínio do sobrenatural” (MANN, 2011, p.25). Mesmo acreditando, contudo, seu grau de surpresa com os fatos que presencia fica evidente na narrativa, mostrando que o que viu foi muito além do que podia esperar.
Trata-se de um relato profundamente honesto, de um homem que está mais interessado em compreender o novo que em adequá-lo à sua própria visão de mundo. Uma atitude muito salutar, que poderia ser mais imitada nos meios científicos e filosóficos.
Quanto ao espiritismo, Mann o critica (da forma como o conhece, que não ocorreu pelos livros, mas por ouvir falar de fenômenos e de diversas fraudes mediúnicas).
O autor afirma que espiritismo é uma “metafísica para quarto de empregada” e uma “fé de carvoeiro”, que está muito distante da elevação do pensamento idealista e do sentimento da metafísica. Isto se explica: enquanto, em 1919, Mann já considerava O mundo como vontade e representação, de Schopenhauer, uma obra prima do pensamento metafísico, que reputa digna, pois “a dignidade só existe na esfera do puro espírito” (MANN, 2011[1939], p.22), ele classifica o espiritismo como indigno, possivelmente por se misturar com experimentos terrenos tão “grotescos” (palavra que ele mesmo utiliza).

O ceticismo de Mann

No relato, Mann se declara um cético e defende sua visão do ceticismo, que só pode ser levado à conta de um ceticismo moderado do qual, mesmo assim, chegamos a duvidar em alguns trechos.
O ceticismo, no pano de fundo da filosofia ocidental, é uma corrente filosófica cujo objetivo principal é a ataraxia (imperturbabilidade, serenidade de alma) acerca das coisas que são objeto de opinião. Esta serenidade é alcançada por meio da suspensão do juízo (a atitude de nem afirmar, nem negar coisa alguma).
Mann é um apaixonado pelo assunto e afirma crer, até certo ponto, em coisas que nunca presenciou. Seu ceticismo assumido soa, mais, como uma reserva, certo recato em admitir e expor suas opiniões, que em abster-se delas  – além do que, ele está muito distante da ataraxia, quando o assunto são as manifestações mediúnicas!
O escritor parece aplicar seu ceticismo moderado como um meio de prevenção da credulidade excessiva, mas ao mesmo tempo parece esperar ser surpreendido por alguma verdade a qualquer momento, o que o torna um cético peculiar, ao menos, por admitir sua ansiedade e expectativa.
Sua afirmação, que nos interessa aqui, é também um argumento contra o ceticismo radical: segundo Mann, “não há ceticismo verdadeiro que não se volte [...] contra si mesmo” (2011, p.25).
Faz sentido. Quer dizer que o ceticismo devia ser cético acerca das suas próprias declarações, não as afirmando nem negando... o que, na minha opinião, iria nos levar a um regressus ad infinitum tedioso. No entanto, o ceticismo de Mann, que chamamos de moderado, tem um limite claro (ao menos perante o caso presente), pois algumas de suas declarações sobre os fatos que presenciou são categóricas: de que o experimento era sério, de que se sentia na obrigação de testemunhar perante o público aquilo que viu, de que as precauções eram suficientes para declarar que a fraude seria impossível. 

Referências:

MANN, Thomas, Experiências ocultas. In: MACHADO, Ubiratan. Diálogo com o invisível: experiências espíritas de grandes escritores. Bragança Paulista/SP: Lachâtre, 2011.
MANN, Thomas. Schopenhauer. Disponível aqui. Acesso em 19 Dez 2011


Imagem (acima)Encontro com entre Thomas Mann e Albert Einstein em Princeton, no ano de 1938.

Um comentário:

  1. Eu achava que ceticismo fosse a negação absoluta,e não essa ambiguidade toda.

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