Por Rita Foelker – Texto inédito
Thomas Mann (1875-1955) é um dos principais autores
contemporâneos da língua alemã e escreveu o incomparável A montanha mágica (1924), entre outros livros importantes no
panorama da literatura mundial. Seu interesse pela filosofia é reconhecido
pelas incursões filosóficas presentes em vários pontos de sua obra, onde ele
mesmo se torna um filósofo, sendo um caso típico seu ensaio intitulado Schopenhauer (1939).
Antes, porém, Thomas Mann escreveu uma crônica sobre um tema
pelo qual confessa um “ardente interesse”: as manifestações paranormais, a que
ele dá o nome de ocultismo. Tamanho interesse
levou-o a participar das experiências envolvendo efeitos físicos, realizadas por
Albert von Schrenck-Notzing (1862-1929, renomado pesquisador).
O relato que Thomas Mann produziu após seu primeiro contato
direto com as manifestações, onde se misturam suas impressões, suas
considerações e sua narração dos próprios fatos, recebeu o título de “Experiências
ocultas”, cuja tradução para o português encontramos em Diálogo com o invisível, de Ubiratan Machado. O texto inicia-se com
a justificativa pela escolha do tema, que ele considera “fantástico”, “desvairado”,
“escabroso”, mas... irresistível.
O debate e o lado
escolhido
Mann desenha um cenário com a sua visão do contexto cultural
onde os fenômenos “ocultos” são debatidos. Segundo o autor, havia dois tipos
extremos de posições da ciência na Alemanha a respeito desses fatos, uma
“direita rigidamente conservadora” e uma “esquerda radical revolucionária”. De
um lado, a negação obstinada de fenômenos que contrariassem a explicação
racional; de outro, uma credulidade acrítica. Entre os extremos, muitas nuanças
eram encontradas.
Mann admite colocar-se à esquerda. A justificativa para seu
posicionamento era ter “acreditado na possibilidade das coisas mais diversas”,
mesmo sem poder se “vangloriar de qualquer experiência pessoal no domínio do
sobrenatural” (MANN, 2011, p.25). Mesmo acreditando, contudo, seu grau de
surpresa com os fatos que presencia fica evidente na narrativa, mostrando que o
que viu foi muito além do que podia esperar.
Trata-se de um relato profundamente honesto, de um homem que
está mais interessado em compreender o novo que em adequá-lo à sua própria
visão de mundo. Uma atitude muito salutar, que poderia ser mais imitada nos
meios científicos e filosóficos.
Quanto ao espiritismo, Mann o critica (da forma como o
conhece, que não ocorreu pelos livros, mas por ouvir falar de fenômenos e de
diversas fraudes mediúnicas).
O autor afirma que espiritismo é uma “metafísica para quarto
de empregada” e uma “fé de carvoeiro”, que está muito distante da elevação do
pensamento idealista e do sentimento da metafísica. Isto se explica: enquanto,
em 1919, Mann já considerava O mundo como
vontade e representação, de Schopenhauer, uma obra prima do pensamento
metafísico, que reputa digna, pois “a dignidade só existe na esfera do puro
espírito” (MANN, 2011[1939], p.22), ele classifica o espiritismo como indigno,
possivelmente por se misturar com experimentos terrenos tão “grotescos”
(palavra que ele mesmo utiliza).
O ceticismo de Mann
No relato, Mann se declara um cético e defende sua visão do
ceticismo, que só pode ser levado à conta de um ceticismo moderado do qual,
mesmo assim, chegamos a duvidar em alguns trechos.
O ceticismo, no pano de fundo da filosofia ocidental, é uma
corrente filosófica cujo objetivo principal é a ataraxia (imperturbabilidade, serenidade de alma) acerca das coisas
que são objeto de opinião. Esta serenidade é alcançada por meio da suspensão do juízo (a atitude de nem
afirmar, nem negar coisa alguma).
Mann é um apaixonado pelo assunto e afirma crer, até certo
ponto, em coisas que nunca presenciou. Seu ceticismo assumido soa, mais, como uma
reserva, certo recato em admitir e expor suas opiniões, que em abster-se delas – além do que, ele está muito distante da
ataraxia, quando o assunto são as manifestações mediúnicas!
O escritor parece aplicar seu ceticismo moderado como um meio de prevenção da credulidade excessiva, mas ao mesmo tempo parece esperar ser surpreendido por alguma verdade a qualquer momento, o que o torna um cético peculiar, ao menos, por admitir sua ansiedade e expectativa.
O escritor parece aplicar seu ceticismo moderado como um meio de prevenção da credulidade excessiva, mas ao mesmo tempo parece esperar ser surpreendido por alguma verdade a qualquer momento, o que o torna um cético peculiar, ao menos, por admitir sua ansiedade e expectativa.
Sua afirmação, que nos interessa aqui, é também um argumento
contra o ceticismo radical: segundo Mann, “não há ceticismo verdadeiro que não
se volte [...] contra si mesmo” (2011, p.25).
Faz sentido. Quer dizer que o ceticismo devia ser cético acerca
das suas próprias declarações, não as afirmando nem negando... o que, na minha
opinião, iria nos levar a um regressus ad
infinitum tedioso. No entanto, o ceticismo de Mann, que chamamos de
moderado, tem um limite claro (ao menos perante o caso presente), pois algumas
de suas declarações sobre os fatos que presenciou são categóricas: de que o
experimento era sério, de que se sentia na obrigação de testemunhar perante o
público aquilo que viu, de que as precauções eram suficientes para declarar que
a fraude seria impossível.
Referências:
MANN, Thomas, Experiências ocultas. In: MACHADO, Ubiratan. Diálogo com o invisível: experiências
espíritas de grandes escritores. Bragança Paulista/SP: Lachâtre, 2011.
MANN, Thomas. Schopenhauer. Disponível aqui. Acesso em 19 Dez 2011
Imagem (a cima): Encontro com entre Thomas Mann e Albert Einstein em Princeton, no ano de 1938.
Eu achava que ceticismo fosse a negação absoluta,e não essa ambiguidade toda.
ResponderExcluir