quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ciência e teste

A relação entre ciência e testabilidade das hipóteses não é tão pacífica quanto comumente se imagina.

Texto inédito
Por Rita Foelker


Até o início do século XX, havia uma corrente filosófica que defendia a verificabilidade como a marca da ciência. Eram os positivistas lógicos. Segundo eles, as leis científicas deveriam expressar estados de coisas de forma clara e precisa, e seriam consideradas comprovadas por meio de testes e observações dos fatos nelas afirmados.
Um problema com esta concepção está no fato de que o número de testes e observações possíveis é sempre limitado. Fica sempre a possibilidade de que seus resultados deixem de se repetir, em algum momento, sob certas circunstâncias.
Quem observou esta falha lógica no método preconizado pelo positivismo lógico foi Karl Popper (1902-1994). Popper criticou a tese da verificabilidade e propôs que a marca da ciência era a falseabilidade. Uma lei científica deveria ser expressa em termos claros, incluindo as condições de teste e observação, de modo que fosse possível reproduzi-los. Uma única vez que, ao respeitar as condições de teste e observação, o resultado esperado não ocorresse, e isto levaria ao falseamento da lei.
Hoje em dia não se considera mais que testes têm a ver com verdade ou falsidade. Considera-se que os testes são eficazes dentro de certos limites, que corroboram hipóteses, mas não estão aptos a estabelecer uma verdade. Quando dizemos, por exemplo, que um produto foi dermatologicamente testado, isso não significa que ele jamais provocará uma reação alérgica, mas que num universo de “x” ou “y” indivíduos, a totalidade ou uma razoável porcentagem não teve reações dermatológicas adversas a ele.

Fatos sobre testes científicos

Lembremos um pouco de História. Houve um tempo em que a droga chamada talidomida*, introduzida no mercado em 1956, foi vendida em farmácias e amplamente utilizada por mulheres grávidas para tratamento de insônia, ansiedade e alívio dos enjoos matinais. Os testes realizados à época não revelaram todos os seus potenciais efeitos. O surgimento de casos de malformações congênitas levou a novos estudos e à proibição de sua venda em 1961, mas ainda assim a droga continuou a ser comercializada por vários meses em alguns países como Bélgica, Brasil, Canadá, Itália e Japão. Isso mostra que os testes têm limites quanto à garantia de resultados e outros possíveis efeitos de uma substância.
Os medicamentos, cosméticos e procedimentos atuais voltados para a cura e a beleza, que consideramos testados cientificamente, são, em boa parte, recentes. Além disso, desde que os centros de pesquisas científicas deixaram de ser principalmente as universidades, e passaram a ser patrocinados pelas corporações, atendendo a interesses financeiros e comerciais, o tempo de teste de novas substâncias, antes de chegarem ao mercado, diminuiu.

Analisando nossas crenças

Se os resultados dos testes fossem unânimes em provar uma afirmação, não haveria por que cientistas discordarem entre si, mas sempre houve e continua havendo uma boa dose de polêmica em torno de vários tópicos científicos da medicina, da economia, da física, entre outras.
Como acreditamos na autoridade da ciência, acreditamos naquilo que se afirma que a ciência confirmou ou comprovou. Mas compreendemos de fato quais testes são feitos e qual o peso de seus resultados? Quase nunca.

O outro lado

Os testes, contudo, têm sua relevância na consolidação de setores da pesquisa. Provavelmente ninguém iria querer usar um creme dental que nunca houvesse sido testado.
E sua importância não está restrita aos campos científicos oficialmente reconhecidos. Michael Harner, antropólogo e autor de O caminho do xamã (Ed. Cultrix), nos recorda que “os antigos métodos do xamanismo (...) já foram testados pelo tempo. De fato, eles vêm sendo testados há um tempo imensuravelmente maior, por exemplo, que a psicanálise e inúmeras outras técnicas psicoterapêuticas.”
Calunga, autor espiritual de Calunga definitivo (Ed. Gil), recorda-nos, dentro de uma perspectiva mais ampla que “os Espíritos do bem sempre tentaram ajudar a Humanidade, porque a vida sempre foi espiritual e material”. E, de fato, os contatos espirituais estão documentados nas mais diferentes culturas. Eles fazem parte do relato comum dos indígenas de diferentes tribos, como fatos familiares e cotidianos. São conhecimentos testados, e testados durante séculos e milênios, não somente num laboratório ou dois, mas em diferentes cantos do planeta.
Há ainda outro fator que influencia nossa crença nos resultados científicos: a propaganda. Temos tendência a achar que um creme realmente vai diminuir nossas rugas enquanto dormimos porque nos dizem que foi produzido num grande laboratório de uma empresa com bom nome na praça, o que pode ocorrer de fato, mas não é esse o ponto a ser destacado aqui: é o quanto as técnicas da propaganda nos conduzem a crer numa coisa ou noutra, a favor do anunciante. O que nos leva a pensar no porquê de crermos na ciência, nos testes, na propaganda... Quem ou o que nos ensinou a pensar assim?
Quais as evidências em favor de nossas crenças?
Quantas vezes nós as colocamos em teste? E o que apuramos?
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* Informações sobre a talidomida podem ser encontradas aqui.

Imagens:
- Karl Popper, filósofo (1902-1994).

- Mulher xamã (1880).

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