quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A falácia é mais interessante que o texto, ou como se faz um homem de palha


Por Rita Foelker

Texto Inédito

Em Lógica, falácias (do latim fallax: enganoso) são argumentos que envolvem formas não válidas ou não plausíveis de raciocínio. Por serem aparentemente válidos ou plausíveis, eles podem ser usados para convencer pessoas, mas falham por não dar sustentação eficaz ao ponto que pretendem provar.

A matéria de capa da SuperInteressante de Outubro/11 – Ciência Espírita – é uma boa amostra de texto falacioso.

Ela começa não assumindo suas reais intenções perante o leitor. O lead (conjunto de frases sob o título principal) parece indicar uma abordagem positiva das pesquisas, pois remete a “resultados surpreendentes”. O texto, contudo, frustra a expectativa criada, pois todos os fatos que seriam surpreendentes são ridicularizados ou desqualificados, algumas vezes, apenas por tiradas sarcásticas e sem graça...

Mas o texto como um todo utiliza uma falácia que costumamos chamar de “o homem de palha”. Às vezes chamada de “falácia do espantalho”, ela ocorre ao se distorcer a posição do oponente em um debate, a fim de que ele possa ser atacado mais facilmente.

É uma falácia muito empregada em publicidade, quando o anunciante apresenta os problemas do produto concorrente de modo exagerado ou inverossímil, para destacar a qualidade do seu próprio produto.

O ataque é contra as crenças espirituais que levam a empreender pesquisas em torno da reencarnação e EQM. O artigo da Super monta seu homem de palha aos poucos. Ele diminui o valor do critério do pesquisador e psiquiatra do ProSER/USP, Frederico Leão. O fato de sua pesquisa ter saído numa publicação acadêmica recebe a observação de que “estudos de qualidade duvidosa” acabam passando pelo crivo das melhores revistas. Note-se que essa observação parte de um assumido defensor do ceticismo.

O cardiologista inglês Sam Parnia é chamado de “estrela internacional da ciência do além” que prepara “experiências para caçar fantasmas”. O psiquiatra e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG, Alexander de Almeida, virou “o braço direito de Sam Parnia por aqui”. O neurologista inglês Peter Fenwick foi o “cara que transformou as experiências de quase morte em assunto dos almoços de domingo”.

Já o(s) cético(s) que, segundo o artigo, colaboraram emitindo comentários, não recebem cognomes pejorativos.

Os pesquisadores da reencarnação são acusados de terem suas pesquisas contaminadas por conversas prévias entre as pessoas, prejudicando a coleta de depoimentos isentos, e de reunirem a maioria dos casos em países onde a crença na reencarnação é mais comum. Aqui encontramos outra falácia, conhecida como “generalização apressada”, que ocorre quando você procura formar uma regra geral ao examinar apenas poucos casos específicos que não necessariamente são representativos de uma classe.

Os pesquisadores acabam parecendo tolos, ingênuos de mentalidade anticientífica, quando seu trabalho mostra que são cientistas sérios efetuando pesquisas com resultados valiosos.

Por isso precisamos ter bastante cuidado ao ler matérias como essa.

4 comentários:

  1. Muito bom. Foi exatamente o que senti ao ler essa edição da "Super Interessante."

    Abraços
    http://estudofilosoficoespirita.blogspot.com/

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  2. Adorei Rita,
    Estamos em sintonia acerca disso.

    Deixo uma frase muito conhecida de Zygmunt Bauman em "Em busca da política". RJ:Zahar,2000, p. 242: “para operar no mundo (por contraste a ser ‘operado’ por ele) é preciso entender como o mundo opera”

    Nada mais valioso que esclarecer acusações demonstrando ao acusador as estratégias que ele se utiliza para formular sua acusação.

    E vamos seguindo.
    Abraço
    Franco Pimentel
    Goiânia-GO

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  3. Fico feliz com os retornos positivos ao meu post. Obrigada por deixarem registrado, Ricardo e Franco.
    Aproveito para registrar também aqui o link do blog Espiritismo Comentado, do querido Jáder Sampaio, sobre este mesmo escrito: http://espiritismocomentado.blogspot.com/2011/11/superfalaciosa-opiniao-de-rita-foelker.html

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  4. Olá, Rita!
    Eu não sou espírita. Nem mesmo sou leitor da Super. Mas como curioso insaciável acabei me deparando com seu texto. É sempre divertido ver pessoas que estudaram lógica destruindo as falácias cada vez mais comuns destas revistas.
    Mas escrevo este comentário para um pedido: os artigos destes pesquisadores citados. Em quais revistas publicaram? Existem versões on-line onde eu possa ler (seja gratuitamente ou não)?
    Fiquei curioso a respeito de tais trabalhos.
    Um abraço e muito obrigado!

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