domingo, 22 de agosto de 2010

Ciência e religião


"Ciência sem religião é aleijada, religião sem ciência é cega."

Por Albert Einstein
Tradução de Rita Foelker*

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A principal fonte dos conflitos entre as esferas da ciência e da religião, nos dias atuais, repousa sobre o conceito de um Deus pessoal. O escopo da ciência é estabelecer regras gerais que determinem a conexão recíproca de objetos e eventos no tempo e espaço. Para essas regras, ou leis da natureza, a validade absolutamente geral é requerida – não provada. Trata-se, sobretudo, de um programa, e a fé na possibilidade de seu cumprimento está fundada, por princípio, unicamente sobre sucessos parciais. Mas dificilmente encontraríamos quem negasse esses sucessos parciais e os atribuísse à ilusão humana. O fato de que, com base nessas leis, somos capazes de predizer o comportamento temporal de um fenômeno em certos domínios com grande precisão e certeza, é profundamente enraizado na consciência do homem moderno, muito embora ele possa ter apreendido muito pouco do conteúdo dessas leis. Ele precisa apenas considerar que as trajetórias planetárias no sistema solar podem ser calculadas antecipadamente com grande exatidão, com base em um número limitado de leis simples. Da mesma maneira, embora não com a mesma precisão, é possível calcular o modo de operação de um motor elétrico antecipadamente, de um sistema de transmissão, ou um aparelho sem fio, mesmo quando lidamos com um desenvolvimento recente.
É verdade que, quando o número de fatores que atuam num complexo fenomenológico é muito grande, o método científico em muitos casos falha. Pode-se pensar nas condições do clima, para as quais a predição, mesmo para alguns dias à frente, é impossível. Não obstante, ninguém duvida de que estamos perante uma conexão causal cujos componentes causais são essencialmente conhecidos por nós. Ocorrências nesse domínio estão além do alcance da predição exata por causa da variedade de fatores operando, não por qualquer falta de ordem na natureza.
Penetramos menos profundamente nas regularidades obtidas no domínio das coisas vivas, mas fundo o suficiente para perceber a regra necessária. Precisamos apenas pensar na ordem sistemática da hereditariedade, e do efeito de venenos, como, por exemplo, o álcool, no comportamento dos seres vivos. O que ainda falta aqui é uma compreensão de conexões de generalidade profunda, mas não um conhecimento da ordem enquanto tal.
Quanto mais um homem está imbuído da regularidade ordenada de todos eventos, mais firme se torna a sua convicção de que não há, ao lado dessa regularidade ordenada, lugar para causas de uma natureza diferente. Para ele, nem a regra da vontade humana, nem a regra da vontade divina existirão como causa independente de eventos naturais.
É verdade que a doutrina de um Deus pessoal interferindo nos eventos naturais nunca pôde ser refutada, no sentido real, pela ciência, pois essa doutrina pode sempre encontrar refúgio naqueles domínios nos quais o conhecimento científico ainda não foi capaz de fincar seus pés.
Mas estou convencido de que tal comportamento da parte dos representantes da religião não apenas seria indigno, mas também fatal. Pois uma doutrina que é incapaz de se sustentar à luz do dia, está destinada a perder sua influência sobre a Humanidade, com perda incalculável para o progresso humano. Em seu empenho a favor do bem ético, professores de religião precisam ter desenvolvimento intelectual para desistir da doutrina de um Deus pessoal, ou seja, desistir da fonte do medo e da esperança que no passado colocou tão grande poder nas mãos dos sacerdotes. Em suas tarefas, eles terão de valer-se das forças que são capazes de cultivar o Bem, a Verdade e a Beleza na própria Humanidade. Esta é certamente uma tarefa difícil, mas incomparavelmente muito mais valiosa. Depois que os professores de religião concluírem o refinado processo indicado, eles certamente reconhecerão com alegria que a religião foi enobrecida e aprofundada pelo conhecimento científico.
Se um dos objetivos da religião é libertar a Humanidade tanto quanto possível das amarras dos desejos e temores egocêntricos, o raciocínio científico pode socorrer a religião ainda em outro sentido. Embora seja verdade que é objetivo da ciência descobrir regras que permitam a associação e previsão dos fatos, não é esse seu único fim. Ela também procura reduzir as conexões descobertas ao menor número possível de elementos conceptuais mutuamente independentes. E nessa busca de unificação racional da multiplicidade que a ciência alcança seus grandes sucessos, ainda que seja precisamente esse exercício que a faça correr o maior risco de cair presa de ilusões. Mas quem quer que haja experimentado intensamente os avanços bem sucedidos feitos no seu domínio é movido por profunda reverência pela racionalidade manifesta na existência. Por meio da compreensão, ele atinge uma emancipação, de amplas consequências, das prisões das esperanças e desejos pessoais, e assim atinge aquela atitude humilde da mente dirigida à grandeza da razão encarnada na existência, a qual, em seus mais profundos escaninhos, é inacessível ao homem. Essa atitude, no entanto, parece-me ser religiosa no mais alto sentido do termo. E assim parece-me que a ciência não somente purifica o impulso religioso dos restos de seu antropomorfismo, mas também contribui para uma espiritualização religiosa de nossa compreensão da vida.
Quanto mais a evolução espiritual da Humanidade avança, mais certo me parece que o caminho para a genuína religiosidade não repousa sobre o medo da vida, sobre o medo da morte, sobre a fé cega, mas sobre o esforço de buscar o conhecimento racional. Nesse sentido, acredito que sacerdote precise tornar-se um professor, se ele deseja fazer jus à sua elevada missão educacional.

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* Traduzido de Out of my later years. Nova York, Avenel/NJ: Wings Books, 1993. p. 25-28.

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