quinta-feira, 15 de julho de 2010

A Mística da Mediunidade *

Mística: conteúdo de uma idéia, causa, instituição etc., ou a atmosfera ou aura de perfeição, verdade, excelência incontestável que as cerca, despertando nas pessoas respeito, adesão apaixonada, devotamento, sectarismo etc. (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa)

Rita Foelker

Quase todos os espíritas que conheço detestam ser considerados místicos e procuram, de muitas maneiras, evitar que as reuniões do centro apresentem qualquer indício que possa caracterizar algum tipo de misticismo. Mas, talvez por sua própria falta de esclarecimento sobre a verdadeira natureza da prática mediúnica, observo que foi criada no meio espírita brasileiro uma mística da mediunidade. Isso mesmo: uma adesão apaixonada, um certo devotamento e alguns sectarismos. Explicada em O Livro dos Médiuns como faculdade inerente ao ser humano, a mediunidade é uma capacidade natural que todos possuímos em maior ou menor grau. Ela nos possibilita perceber a presença dos amigos desencarnados, captar seus pensamentos e, nos casos da mediunidade ostensiva, servir de intermediários de suas manifestações no plano material.
Mas a maioria das casas espíritas não trata o fenômeno mediúnico com esta mesma naturalidade. Algumas evidências do que estou afirmando estão analisadas a seguir.

1) Endeusar alguns médiuns e Espíritos e desconfiar de outros.

Ao nos esquecermos de que a faculdade mediúnica se insere no contexto da humanidade e, portanto, sujeita-se às fragilidades e instabilidades do ser humano, criamos formas de agir que estabelecem a credibilidade absoluta para alguns médiuns e Espíritos e a desconfiança de tudo o que procede de outros.
O médium eleito se torna portador das orientações espirituais para o grupo, e as palavras e idéias transmitidas por ele são acatadas. Não se conversa com os Espíritos, que praticamente nunca são questionados.
Outros (encarnados e desencarnados) são rechaçados antes mesmo de suas comunicações serem conhecidas e analisadas. É comum vermos uma rejeição a priori de obras mediúnicas, porque seus autores não são vistos com "bons olhos" em alguns locais. Este proceder não é lógico nem racional, assim como é ilógica a aceitação incondicional de tudo o que nos chega por intermédio de quem quer que seja, mesmo sendo Chico Xavier.
Se, em vez de eleger médiuns e Espíritos de confiança, tomássemos o cuidado de estudar e analisar tudo o que nos chega através da mediunidade, deste modo seguiríamos a orientação de Kardec.

Fatos

Os Espíritos se aproximam de determinado intermediário por razões diversas: por afinidade, flexibilidade para o tipo de comunicação que deseja transmitir ou grau de desenvolvimento da faculdade.
Diz Werneck, um de nossos orientadores desencarnados: "Quando procuramos um médium, não procuramos por ser Rita, Maria ou José. Buscamos determinadas qualidades que tornam o médium mais apto à tarefa que se apresenta. Buscamos, entre os médiuns da mesa, o perfil mais apropriado. Servimo-nos daquele que melhor se adapta à necessidade do momento."*
De acordo com este pensamento, no ambiente de respeito e sinceridade que precisa reinar nas reuniões, não haveria médium melhor que outro, no que se refere à confiabilidade, pois todos seriam considerados capazes de produzir belas mensagens ou, igualmente, de se enganarem quanto à identidade/qualificação moral do Espírito que com sua ajuda se comunica. Assim, o médium se sentiria liberado do peso da obrigação de infalibilidade e, pondo-se mais à vontade, tornar-se-ia mais eficiente.
Mas quando o grupo cria em torno de um médium uma expectativa que ele não tem como cumprir e, frequentemente por orgulho, tem dificuldade de admitir isso, a atitude científica preconizada por Kardec não pode acontecer. A prática e o seu resultado ficam prejudicados.

2) Considerar as falas ou escritos mediúnicos intocáveis, o que leva a deixar de analisar as comunicações transmitidas.

O Espiritismo no Brasil assumiu feições predominantemente religiosas, o que colocou a mediunidade no terreno do "sagrado". E tudo o que é sagrado, numa comunidade, torna-se admirado e intocável.
O médium, por ser aquele que faz contato com o "sagrado", é visto como um Ser especial.
O Espírito, por nos falar de uma dimensão invisível, é visto como "sagrado".
E o sagrado não pode ser "dissecado" pela ciência ou esmiuçado pela razão, pois é um sacrilégio levantarem-se questões sobre ele ou, mesmo, duvidar.
Pode-se negar que isto existe, mas é um fato observável, até pelas exigências e formalismos que revestem a comunicação mediúnica em algumas casas. Formalismos e exigências que não servem de atestado, nem de legitimidade do fenômeno, nem de identidade do comunicante.
E a quem argumentar que isto ocorre entre as camadas mais ignorantes, o que nem sempre é verdade, eu perguntaria que trabalho de orientação as casas fazem a estas pessoas, já que a situação não é nova e persiste em tantos lugares.

Mediunidade natural

No Capítulo II de O Livro dos Médiuns, em que Kardec fala sobre "O Maravilhoso e o Sobrenatural", todo o seu raciocínio visa mostrar que a mediunidade e os Espíritos são naturais, uma realidade ainda pouco conhecida, mas não extraordinária. Se aprendermos com ele, veremos que ambos são assuntos que podem pertencer ao campo da pesquisa científica e das abordagens filosóficas, e que este entendimento nos traria muitas vantagens.
Uma das vantagens, a de desmistificar a mediunidade e o médium, trazê-los para o campo do estudo mais aprofundado e da análise imparcial.
Outra vantagem é a permissão para que os médiuns sejam tratados como pessoas comuns, sujeitas aos altos e baixos emocionais, e desta forma não se sintam constrangidos em assumir suas dificuldades e em pedir ajuda quanto precisarem.
Pondera Werneck, ainda no texto citado: "se fazemos alguma distinção com relação aos médiuns é no que tange ao desenvolvimento destas virtudes:
  • o estudo sincero e o empenho real em aprender sobre a mediunidade e as leis espirituais;
  • o conhecimento de si mesmo que diminui a possibilidade de ser enganado por suas próprias fraquezas;
  • a humildade, que evita interferências personalistas do orgulho e da vaidade." **

Para o médium, em particular, a grande desvantagem do sectarismo em torno de alguns Espíritos e dele próprio é insuflar suas carências personalísticas, o perigo de torná-lo um dependente da admiração do grupo e impedi-lo de enxergar suas próprias necessidades. Mais companheirismo e menos posicionamentos apaixonados ao seu redor contribuiriam para fazer dele uma pessoa mais equilibrada e, talvez, um melhor medianeiro.

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* Este texto foi publicado originalmente no Jornal do CEM - Ano VIII - Edição nº4 - Setembro de 2004
** Trecho extraído de "A impessoalidade do exercício mediúnico", de Werneck (Esp.), texto publicado no Jornal do CEM de Fevereiro de 2002
*** Idem

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