quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O conhecimento não funciona como um depósito


Por Rita Foelker - Texto Inédito

O conhecimento às vezes tem sido encarado como um depósito, um quartinho em algum lugar do cérebro onde vamos buscar as coisas antigas de que precisamos. Uma área delimitada e estática. A noção equivocada de que o conhecimento é uma posse leva ao equívoco de acreditar que ele pode ser armazenado e que fica ali parado (empoeirando-se?) até ser requisitado.
Dízimas periódicas, adjuntos adverbiais, algumas vezes, dão-nos essa impressão, porque não lhes atribuímos utilidade imediata e prática.
No entanto, conhecimento é muito mais que uma porção limitada de saberes e sua participação em nossas vidas e escolhas é muito mais dinâmica do que geralmente supomos.
Afinal das contas, aquilo que acreditamos ser está relacionado ao que sabemos. Também aquilo que sentimos se associa ao conhecimento que temos. Se sabemos que férias nos fariam bem, saber que conseguimos férias nos deixa alegres.
Aquilo de que precisamos, aquilo que decidimos, aquilo que mais valorizamos na vida está diretamente relacionado ao que conhecemos. Aquilo que temos como justo ou injusto, como certo ou errado, depende essencialmente do que conhecemos ou ignoramos, não só por leitura, aulas ou conversas, mas pela própria vivência.
E mesmo nossos gestos impulsivos repousam sobre uma base de conhecimento prévio. Quando, por exemplo, gritamos para evitar que uma criança toque numa vasilha muito quente, fazemos isso por conhecermos o dano potencial presente naquela circunstância.
Isso demonstra que aquilo que conhecemos molda nossas ações, define relacionamentos e configura nosso estilo de vida.
Desse modo, mais que um punhado de informações, o conhecimento é parte daquilo que somos, o que faz com que, quando aprendemos algo, de fato nos transformemos em alguém novo, alguém que pode pensar, agir e até mesmo sentir de um modo diferente de antes.
Uma consequência deste caráter dinâmico, interativo, do conhecimento, é apontada por Maturana e Varela: “o fato de que o universo de conhecimentos, de experiências, de percepções do ser humano não é passível de explicação a partir de uma perspectiva independente desse mesmo universo. Só podemos conhecer o conhecimento humano (experiências, percepções) a partir dele mesmo” (1995, p.18).
O conhecimento apresenta então este modo de ser fluido, plástico, mutável, que o torna um objeto de estudo cuja apreensão não é tarefa simples.
Isso, sem falar na própria aprendizagem. O fato é que o desenvolvimento cognitivo engendra novas e mais complexas relações, e estas relações não ocorrem entre conteúdos estanques, mas entre percepções, reações, escolhas e eventos não só em uma única existência, mas em várias existências imbricadas num contexto. Piaget (1975) nos deixou um estudo profundo e fundamentado a respeito de como o conhecimento transforma o cognoscente e de como o cognoscente transforma o conhecimento, com decorrências tanto internas do indivíduo, quanto sociais. Assim, se avançarmos na compreensão de todas as conexões possíveis a partir do que se conhece, podemos chegar à constatação de Maturana (1995, p.26), segundo o qual “criar o conhecimento, o entendimento que possibilita a convivência humana, é o maior, mais urgente, mais grandioso e mais difícil desafio com que se depara a humanidade atualmente”.
“Aprender a aprender”, “aprender a ser” e “aprender a conviver” tornam-se os alvos do processo pedagógico considerado nesta perspectiva. E este aprendizado não é o de um conteúdo programático, mas de uma atitude, como entendemos que pretende Maturana ao afirmar, por exemplo, que “a prática científica constitui um domínio no qual pode-se aprender imparcialidade e respeito pelo outro como uma maneira natural e direta de coexistência” (2001, p.167). Esta maneira natural e direta, como habilidade, continua sendo conhecimento!

Referências:

MATURANA, H.; VARELA, F. G. A árvore do conhecimento. Campinas: Editorial Psy, 1995.
MATURANA, H. Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: UFMG, 2001.
PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

2 comentários:

  1. Ola Rita
    Realmente, filosofia é a base intelectual que define como cada indivíduo atua no mundo. É conhecimento útil, embora hj não esteja muito 'na moda' aparentemente. Parabéns pelo blog e pelas referências dele (como o artigo sobre Ciência Espírita do Silvio). []´s Ademir Xavier

    eradoespirito.blogspot.com

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  2. Eu sempre tive plena certeza que uma pessoa que tem conhecimento ou cultura,vê,pensa e sente diferente daquelas sem este atributo.obrigada por reforçar minha tese.

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