domingo, 29 de junho de 2014

Matrix e os modelos mentais

Cada um de nós vive no mundo de sua mente

Por Rita Foelker - Texto inédito


Foto: Divulgação


Matrix (1999, o primeiro e melhor deles) é um filme que continuam reprisando e que continua fascinando plateias.

Ele tem os ingredientes de filmes de sucesso, incluindo efeitos e ação. Mas o que ele aborda, a meu ver, é um aspecto bem sutil da existência humana. Os modelos mentais.

O filme

Entendo que ele tem três pontos decisivos.

O primeiro é o do combate com Morpheus (Lawrence Fishburne), uma combinação de artes marciais em ambiente virtual em que Neo (Keanu Reeves) termina fisicamente ferido.

O segundo ocorre na antessala do pequeno apartamento de Oracle (Gloria Foster), onde um menino (sugestivamente vestido como um monge) brinca com a forma de uma colher e, quando Neo não consegue modificá-la, a resposta é compreender que “não há colher”.

O terceiro é o do confronto com os atiradores em que Neo simplesmente para as balas, antes de atingi-lo. Numa cena anterior, no terraço de um prédio, ele havia desviado dos tiros, mas agora ele ultrapassa seus conceitos anteriores e acontece um tipo de “iluminação”, onde ele realmente percebe que aquele momento é criado por um programa que está rodando. A verdade é que “não existem balas”...

Tudo é sobre um modelo mental: um modo de “saber” como a realidade funciona e o modo como isso condiciona comportamentos.

Percepção e realidade

Nossa percepção do mundo é um modelo mental, feito de pequenos modelos mentais de objetos e situações que compõem um conjunto complexo a ponto de nos convencer de que o que pensamos é absolutamente real.

É árduo, o processo de compreender que a realidade não é o que está na nossa cabeça. Desse modo, se consegue transcender o modelo.

Em sentido inverso funciona um programa de computador com uma “interface intuitiva”. Ele reflete o modo como a nossa mente funciona, para facilitar o uso. Não vou seguir por esse assunto agora, só lembrar que Matrix era assim, intuitiva. Descobrimos em Matrix Revolutions (2003) que a versão original do programa, em que a vida era maravilhosa e todos eram felizes falhou (não convenceu?) e então o Arquiteto criou outras, até chegar àquela que era baseada em aspectos da psique humana, na qual as pessoas possuíam vidas que eram capazes de aceitar e em que podiam crer...

O professor Donald Norman entende que um modelo mental é um conjunto de crenças sobre como o sistema funciona e dentro do qual interagimos com a realidade.

Talvez a vida virtual nos atraia tanto na medida em que ela corresponde ao que esperamos e cremos. Nesse sentido, ela de certo modo confirma o sentido do “domínio do simulacro”, de Baudrillard, a ideia de que é possível passar a viver numa simulação do mundo que é tão eficiente, a ponto de não mais sabermos o que é real ou não.

O fato é que cada um de nós vive no mundo de sua mente, desafiado pelas circunstâncias da vida exterior a ampliar seu entendimento e melhorar suas ações. Por isso, as aparências enganam: porque nossos modelos são imperfeitos. Por isso, somos surpreendidos por notícias e fatos que chocam e contradizem o que pensamos.

Num curioso experimento apresentado no programa “Truques da Mente” (NatGeo) foi pedido a um grupo de estudantes universitários que desenhassem uma bicicleta. Poucos desenharam uma bicicleta capaz de rodar e fazer curvas. Mesmo considerando a dificuldade com desenho, a capacidade de observação da realidade é testada dessa forma e revela que nossa ideia sobre as coisas é diferente de como elas são de fato.

E para mim é muito claro que essa construção mental complexa nos faça eventualmente sofrer. Neo sentiu falta de ar e até sangrou, na luta com Morpheus.

Então, antes de ficar muito ferido(a), é melhor perguntar “o que é real?”...

Ou antes, “qual programa você está rodando?”...