Rita Foelker
Quase todos os espíritas que conheço detestam ser considerados místicos e procuram, de muitas maneiras, evitar que as reuniões do centro apresentem qualquer indício que possa caracterizar algum tipo de misticismo. Mas, talvez por sua própria falta de esclarecimento sobre a verdadeira natureza da prática mediúnica, observo que foi criada no meio espírita brasileiro uma mística da mediunidade. Isso mesmo: uma adesão apaixonada, um certo devotamento e alguns sectarismos. Explicada em O Livro dos Médiuns como faculdade inerente ao ser humano, a mediunidade é uma capacidade natural que todos possuímos em maior ou menor grau. Ela nos possibilita perceber a presença dos amigos desencarnados, captar seus pensamentos e, nos casos da mediunidade ostensiva, servir de intermediários de suas manifestações no plano material.
Mas a maioria das casas espíritas não trata o fenômeno mediúnico com esta mesma naturalidade. Algumas evidências do que estou afirmando estão analisadas a seguir.
1) Endeusar alguns médiuns e Espíritos e desconfiar de outros.
Ao nos esquecermos de que a faculdade mediúnica se insere no contexto da humanidade e, portanto, sujeita-se às fragilidades e instabilidades do ser humano, criamos formas de agir que estabelecem a credibilidade absoluta para alguns médiuns e Espíritos e a desconfiança de tudo o que procede de outros.
O médium eleito se torna portador das orientações espirituais para o grupo, e as palavras e idéias transmitidas por ele são acatadas. Não se conversa com os Espíritos, que praticamente nunca são questionados.
Outros (encarnados e desencarnados) são rechaçados antes mesmo de suas comunicações serem conhecidas e analisadas. É comum vermos uma rejeição a priori de obras mediúnicas, porque seus autores não são vistos com "bons olhos" em alguns locais. Este proceder não é lógico nem racional, assim como é ilógica a aceitação incondicional de tudo o que nos chega por intermédio de quem quer que seja, mesmo sendo Chico Xavier.
Se, em vez de eleger médiuns e Espíritos de confiança, tomássemos o cuidado de estudar e analisar tudo o que nos chega através da mediunidade, deste modo seguiríamos a orientação de Kardec.
Fatos
Os Espíritos se aproximam de determinado intermediário por razões diversas: por afinidade, flexibilidade para o tipo de comunicação que deseja transmitir ou grau de desenvolvimento da faculdade.
Diz Werneck, um de nossos orientadores desencarnados: "Quando procuramos um médium, não procuramos por ser Rita, Maria ou José. Buscamos determinadas qualidades que tornam o médium mais apto à tarefa que se apresenta. Buscamos, entre os médiuns da mesa, o perfil mais apropriado. Servimo-nos daquele que melhor se adapta à necessidade do momento."*
De acordo com este pensamento, no ambiente de respeito e sinceridade que precisa reinar nas reuniões, não haveria médium melhor que outro, no que se refere à confiabilidade, pois todos seriam considerados capazes de produzir belas mensagens ou, igualmente, de se enganarem quanto à identidade/qualificação moral do Espírito que com sua ajuda se comunica. Assim, o médium se sentiria liberado do peso da obrigação de infalibilidade e, pondo-se mais à vontade, tornar-se-ia mais eficiente.
Mas quando o grupo cria em torno de um médium uma expectativa que ele não tem como cumprir e, frequentemente por orgulho, tem dificuldade de admitir isso, a atitude científica preconizada por Kardec não pode acontecer. A prática e o seu resultado ficam prejudicados.
2) Considerar as falas ou escritos mediúnicos intocáveis, o que leva a deixar de analisar as comunicações transmitidas.
O Espiritismo no Brasil assumiu feições predominantemente religiosas, o que colocou a mediunidade no terreno do "sagrado". E tudo o que é sagrado, numa comunidade, torna-se admirado e intocável.
O médium, por ser aquele que faz contato com o "sagrado", é visto como um Ser especial.
O Espírito, por nos falar de uma dimensão invisível, é visto como "sagrado".
E o sagrado não pode ser "dissecado" pela ciência ou esmiuçado pela razão, pois é um sacrilégio levantarem-se questões sobre ele ou, mesmo, duvidar.
Pode-se negar que isto existe, mas é um fato observável, até pelas exigências e formalismos que revestem a comunicação mediúnica em algumas casas. Formalismos e exigências que não servem de atestado, nem de legitimidade do fenômeno, nem de identidade do comunicante.
E a quem argumentar que isto ocorre entre as camadas mais ignorantes, o que nem sempre é verdade, eu perguntaria que trabalho de orientação as casas fazem a estas pessoas, já que a situação não é nova e persiste em tantos lugares.
Mediunidade natural
No Capítulo II de O Livro dos Médiuns, em que Kardec fala sobre "O Maravilhoso e o Sobrenatural", todo o seu raciocínio visa mostrar que a mediunidade e os Espíritos são naturais, uma realidade ainda pouco conhecida, mas não extraordinária. Se aprendermos com ele, veremos que ambos são assuntos que podem pertencer ao campo da pesquisa científica e das abordagens filosóficas, e que este entendimento nos traria muitas vantagens.
Uma das vantagens, a de desmistificar a mediunidade e o médium, trazê-los para o campo do estudo mais aprofundado e da análise imparcial.
Outra vantagem é a permissão para que os médiuns sejam tratados como pessoas comuns, sujeitas aos altos e baixos emocionais, e desta forma não se sintam constrangidos em assumir suas dificuldades e em pedir ajuda quanto precisarem.
Pondera Werneck, ainda no texto citado: "se fazemos alguma distinção com relação aos médiuns é no que tange ao desenvolvimento destas virtudes:
- o estudo sincero e o empenho real em aprender sobre a mediunidade e as leis espirituais;
- o conhecimento de si mesmo que diminui a possibilidade de ser enganado por suas próprias fraquezas;
- a humildade, que evita interferências personalistas do orgulho e da vaidade." **
Para o médium, em particular, a grande desvantagem do sectarismo em torno de alguns Espíritos e dele próprio é insuflar suas carências personalísticas, o perigo de torná-lo um dependente da admiração do grupo e impedi-lo de enxergar suas próprias necessidades. Mais companheirismo e menos posicionamentos apaixonados ao seu redor contribuiriam para fazer dele uma pessoa mais equilibrada e, talvez, um melhor medianeiro.
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* Este texto foi publicado originalmente no Jornal do CEM - Ano VIII - Edição nº4 - Setembro de 2004
** Trecho extraído de "A impessoalidade do exercício mediúnico", de Werneck (Esp.), texto publicado no Jornal do CEM de Fevereiro de 2002
*** Idem
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