Imagem: Associação Mata Ciliar |
Edgar Morin, abre o primeiro capítulo do livro O paradigma perdido: a natureza humana[i]
com algumas reflexões inquietantes. Ele fala de como o ser humano usou seu
conhecimento para se destacar da natureza e reduzi-la a objeto, domesticá-la,
dominá-la.
Confinamos animais em jaulas; os diferentes, em
reservas; edificamos nossas cidades em pedra e aço, fomos ao espaço, compusemos
sinfonias e, por algum mecanismo psicológico que persistiu por séculos,
passamos a nos acreditar seres sobrenaturais (acima ou fora da Natureza),
segundo Morin. Não creio que esta afirmação precise ser comprovada.
Descartes, filósofo da Idade Moderna, começou
esse movimento na filosofia ocidental, em suas Meditações metafísicas. Por meio de seu solilóquio que narra as
suas dúvidas e sua busca de clareza e distinção do conhecimento, o filósofo
aparece isolado das coisas que são objeto de sua investigação. Ele contempla o
mundo exterior, cuja existência tenta provar, e passa a enxergar-se como
sujeito que visa objetos totalmente separados de si mesmo, os quais pode conhecer
e manipular. Morin observa que foi a partir dessas ideias de Descartes que
aprendemos a pensar "contra a Natureza", assumindo a missão de subjugá-la e
dominá-la como algo a que não pertencemos. Afinal, ela seria apenas uma coisa e
nós seríamos seres inteligentes e independentes do que ocorrer com ela.
Modos de ver e de agir
Modos de ver e de agir
Observamos, hoje em dia, os efeitos perniciosos
dessa visão fragmentada da realidade em duas camadas superpostas:
sujeito/objeto, homem/natureza, dominador/dominado, eu/os outros. Tal ideia de
separação e fragmentação tomou conta de nossos pensamentos e nos tornou reféns
de uma concepção equivocada da existência, a qual é importante rever, por
razões a seguir.
Outros autores, como David Bohm, observam as
dificuldades que essa visão de mundo oferece ao bem estar da humanidade, ao
próprio equilíbrio ecológico, comprometendo nossa sobrevivência como espécie. Em
Sobre a criatividade, Bohm escreve: “Consideremos,
por exemplo, a questão do estabelecimento de um equilíbrio ecológico
apropriado. Isso exige que o mundo inteiro, com toda a atividade humana, seja
considerado uma unidade integral e contínua. Se as pessoas que estudam ecologia
e tentam aplicar seu conhecimento, sem saber, estão comprometidas com
interesses econômicos, políticos, sociais ou nacionais próprios ou de seus
grupos, como poderiam permitir que o universal seja prioridade em seus
pensamentos? Inevitavelmente haverá pressões e uma tendência contínua a se
pensar de modo fragmentário, apropriado à necessidade de colocar os interesses
individuais em primeiro lugar. E não será possível pensar sobre esse assunto e
falar sobre aspectos relevantes à totalidade dos ciclos ecológicos do planeta”[ii].
Quando me percebo pertencendo ao todo da Natureza,
penso, sinto e ajo de certa forma; quando me ponho à distância dela, muda meu
sentir, meu pensar e minha ação. Ou seja: partindo do que Bohm escreve, temos
consequências positivas de se passar a considerar a Natureza como um todo
interdependente e a nós mesmos como partes dela.
Visão na filosofia espírita
Visão na filosofia espírita
Aqui, talvez surpreendentemente, encontraremos
um ponto onde a filosofia espírita também já estava adiante de seu tempo, no
século XIX: a ideia de que tudo pertence à Natureza – incluindo-se os espíritos
– e de que não existe nada que seja sobrenatural, pois todas as leis e todos os
seres são naturais, e todos os fenômenos se explicam por causas naturais.
No item 10 do capítulo 2 de O livro dos médiuns, lemos que “aos olhos daqueles que veem na
matéria a única potência da Natureza, tudo o que não pode ser explicado pelas
leis materiais é maravilhoso ou sobrenatural.” Quer dizer que a origem da ideia
de uma “sobrenatureza” é atribuída às crenças materialistas. Em sua percepção
da realidade, contudo, a doutrina espírita inovava quando se propunha a
explicar os próprios fenômenos mediúnicos como efeitos de causas naturais,
ainda que desconhecidas ou invisíveis. De acordo com ela, não há nada que não
pertença à Natureza, enquanto Criação divina.
À época e ainda hoje, a religião era e continua sendo uma das
instituições que vê na matéria a “única potência da Natureza”, por isso
chama de sobrenatural tudo o que não pode ser explicado materialmente. O
espírito é um ser à parte. Essa mesma religião contribuiu, portanto, para uma
visão cindida do mundo, enquanto a filosofia espírita propunha uma visão
integrada.
Essa noção espírita é reforçada pelo exposto
sobre as “Ocupações e missões dos espíritos”, no capítulo 10 da 2ª parte de O livro dos espíritos. A questão 558
indaga se há algo mais que cabe aos espíritos fazerem, além de progredir
individualmente. A resposta é que “eles concorrem para a harmonia do Universo
ao executar os desígnios de Deus”. A missão dos espíritos encarnados, segundo a
questão 573, consiste em “instruir os homens, ajudar em seu adiantamento,
melhorar suas instituições pelos meios diretos e materiais; mas as missões são
mais ou menos gerais e importantes: aquele que cultiva a terra realiza uma
missão, como aquele que governa ou que instrui. Tudo se encadeia na Natureza;
ao mesmo tempo que o Espírito se depura pela encarnação, concorre, dessa forma,
para a realização dos desígnios da Providência. Cada um tem sua missão na
Terra, cada um pode ser útil para alguma coisa”.
Uma visão de Natureza na qual tudo se encadeia,
interage e interdepende, como a presente nas obras básicas do espiritismo, é o
caminho para as decisões que afetarão positivamente a humanidade, o meio
ambiente e o planeta. Stanislav e Christina Grof[iii] observam
que tal visão é um item fundamental para as mudanças que precisam acontecer em
nossa forma de pensar, decidir e agir. “Uma nova compreensão da unidade de
todas as coisas (...) resulta em preocupações fortemente ecológicas e em maior
tolerância para com os demais seres humanos. A consideração para com a
humanidade, a compaixão por todas as formas de vida e o raciocínio que leva em
conta todo o planeta assumem prioridade em relação aos estreitos interesses
individuais, familiares, político-partidários, classistas, nacionais e
sectários. O que nos une a todos e o que temos em comum tornam-se mais
importantes que nossas diferenças, que são vistas mais como enriquecedoras que
ameaçadoras”.
Os pensamentos e decisões que visam ao todo, que
repousam sobre a compreensão da unidade da Natureza e o respeito a todas as
criaturas, têm lugar na filosofia espírita desde a segunda metade do século
XIX, mas ainda precisam participar mais efetivamente de nossas vidas
cotidianas, de nossas pequenas e grandes escolhas. É preciso avançar na
percepção das decorrências dessa noção de pertença e responsabilidade de cada
ser perante a Natureza e a vida.
Pensar contra a Natureza
Um dos sintomas contemporâneos de nossa forma de pensar contra a Natureza é o tipo de imposição de padrões artificiais de beleza exercida sobre as mulheres, ainda que seja tudo uma grande fantasia, visto que há limites para as alterações físicas que podemos fazer em nós mesmos.
Isso leva muitas mulheres a atitudes contrárias à sua própria saúde orgânica e psicológica, gerando distúrbios gravíssimos. |
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