sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Queremos um Universo coerente

Considerações pessoais sobre a ciência do viver

Por Rita Foelker - Texto inédito



A ideia de uma unidade coerente por trás do funcionamento do Universo é bem antiga. No Ocidente, ela é proposta pelos gregos pré-socráticos, conhecidos como “filósofos da Natureza”. Suas teorias acerca da physis, postulam um elemento único, fundamental e eterno, que constitui todas as coisas e que denominavam arché. Para Tales de Mileto arché era a água. Para Heráclito, o fogo. Para Xenófanes, a terra. Para Anaximandro, o apeiron ( "indeterminado"). Já Pitágoras considerava o número como a unidade essencial de tudo o que existe e Demócrito dizia que eram os átomos.

Postular, porém, não é provar. É assumir como verdadeiro e ver onde isso leva.

Os cientistas contemporâneos gastaram muitas horas e atividade cerebral tentando encaixar as peças daquilo que chamamos de Teoria do Campo Unificado, segundo a qual todas as forças presentemente reconhecidas pela ciência poderiam funcionar de modo conjunto e harmônico. Ainda não conseguiram.

Essa tentativa de acomodar a dinâmica do Universo e da vida em algum esquema conceitual, algo que possamos entender, é multimilenar. Por trás dela pode estar a intuição da existência de uma divindade criadora - de Deus - ou, mesmo, a necessidade de reconhecer uma ordem suprema implicada no aparente caos da existência humana. As duas respostas são possíveis, mas assim como tantas outras, a escolha não está na ciência.

A ciência funciona com explicações e predições. A ciência oferece explicações do que acontece no mundo e, se a teoria for adequada, ela torna possível prever certos acontecimentos ainda não ocorridos. A ciência não explica existência e causas primordiais. Ela assume certas entidades como existentes, mas não prova sua existência.

As pessoas, contudo, parecem necessitar dessas respostas. Por isso, gregos como Tales e contemporâneos como Einstein procuraram por elas. Fazem-no, contudo, como seres humanos e como pensadores e, não, enquanto cientistas.

Nós também postulamos. Assumimos certas ideias como verdadeiras. Nossos mais preciosos valores. Nossas convicções acerca do invisível. Acreditamos nelas e observamos as consequências.

Mas isso não precisa ser uma adesão cega, porque também podemos ser observadores críticos, ser “científicos” em nossa vida pessoal. Isso quer dizer, é possível verificar se as ideias que aceitamos como verdadeiras fornecem explicações satisfatórias para a vida e se permitem prever eventos futuros em nosso cotidiano. Paz ou conflito, alegria ou tristeza, contentamento ou frustração, expansão ou retração,

Desse modo, com o tempo, vamos acrescentando peças ao quebra-cabeças de nossas concepções de vida, até conseguirmos ver a figura que se delineia contra o fundo das suposições. O que, grosso modo, é o que a ciência também faz.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Autopreservar-se das más palavras

Por Rita Foelker - Texto inédito



Às vezes, as pessoas dizem coisas ruins sobre nós. Às vezes, dizem-nas para nós. Outras vezes, essas coisas nos chegam por via indireta, mas nos acertam em cheio.

Essa é uma situação em que precisamos aprender a nos proteger, para não sermos atingidos.

Porque quando algumas palavras ou frases nos pegam de jeito e são destrutivas, podem realmente ferir muito. Por isso, pode ser preciso se defender mesmo: desviar, se jogar no chão, rolar... Sério!!!

É quase uma arte marcial.

A primeira proteção vem do conhecimento. Saber que comumente as pessoas – até mesmo entre casais e famílias! – não têm contato com nosso Ser real, mas apenas com o que pensam sobre nós. Elas não se relacionam com as pessoas, mas com um pensamento cristalizado sobre elas. Nada ou pouco sabem da realidade, só dos rótulos que fixaram.

Esses rótulos podem ser fruto de uma apreciação parcial, incompleta, mas comumente nascem de preconceitos.

Esse conhecimento é proteção na medida em que entendemos que essas palavras ruins não são a verdade sobre nós ou, ao menos, que não nos abarcam inteiramente. São os pensamentos das pessoas, e só. Pensar o que se quiser é um direito e jamais vamos controlar isso nos outros. Aquilo pode ser expressão de muita coisa: ignorância, inveja, medo... e é um problema delas. Não nosso.

Mas em algumas situações, precisamos da segunda proteção: a agilidade. As palavras podem vir de uma pessoa importante pra nós. Virem de surpresa, pegando você desprevenido. Então, um grau de atenção é necessário, pra sair de lado quando sentir que vem “chumbo”.

São frases desviantes:

“Isso não é sobre mim, é sobre essa pessoa.”

“Essa pessoa tem um problema.”

“O que é que eu tenho que a incomoda tanto?”

“O que ela está enxergando em mim, que de fato é dela?”

Não receba o pacote. Analise e reflita. Não aceite o que está vindo pra você por erro de avaliação alheia. Coloque-se na humildade, fora da zona de impacto, porque o orgulho é onde essas coisas te acham!

Não é se escondendo da vida social e dos relacionamentos que você vai se proteger. A crítica e a maledicência são sempre possíveis. Não é ouvindo vozes depreciativas na sua cabeça que você vai calar seu coração.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Um caminho...


Por Rita Foelker

Um caminho é um lugar incomum.
Em silêncio nos chama a seguir
E nem sempre diz aonde leva.

Um caminho vem de looooonge
Até nossos pés
E sob eles se deita, simplesmente,
Como um servo reverente.
Não insiste, tampouco desiste
E, mesmo sendo singular,
É apenas mais um que existe.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade V: Epílogo

Afinal, por que é que as explicações sobre como tudo funciona teriam de ser básicas ou simples?

Por Rita Foelker 

A beleza e a verdade existem? Possivelmente. Creio pessoalmente que sim, de algum modo transcendente.

Mas elas são também conceitos que inventamos e nomeamos. E desejamos combiná-las de certa maneira numa concepção de mundo ou teoria, porque nos apetece ao intelecto e ao sentido estético.

Estamos presentes nessa operação, criamos isso. Essa relação. Quer ela esteja no pensamento que gerou o Universo ou somente na nossa cabeça.

Por isso, pouco se pode caminhar nesse assunto sem a consideração de nós mesmos. Temos quatro forças, temos fractais, temos geometria, ciência, filosofia, religião e temos nós próprios. O elemento que falta, a “quinta”, ou “sexta”, ou “n-ésima” força, tão desconhecida quanto nós próprios nos desconhecemos.

Creio que precisamos abrir mão de alguns pressupostos sobre a realidade usados em nossa relação cotidiana com ela. O senso comum, de onde você e eu nos colocamos, ainda vê o Universo predominantemente como o “lá fora”, excluindo o Ser, que é dentro dele uma parte integrante e um agente fundamental.

Tal qual na física clássica, ainda queremos ver tudo como processos mecânicos de causas e efeitos determinados. Não dá mais pra fazer isso, com tudo o que já sabemos depois do surgimento da atômica e da quântica.

A física clássica se baseia numa noção de divisibilidade irrestrita, na separação e individualização dos objetos de estudo, mas há fenômenos que só podem ser estudados globalmente (em relação com tudo o mais). A ideia de uma causa e um efeito observados “de fora” não funciona para as considerações acerca da dinâmica do Universo inteiro.

Nesse contexto, explicações científicas que nos excluam também não podem ir longe, o que certamente complica o trabalho dos cientistas pra tentar equacionar as coisas e enfim comemorar uma Teoria de Tudo.

Nós, os seres ou espíritos, estamos aqui, somos uma variável obrigatória. Somos criaturas que transformam a realidade e o mundo concreto é a prova mais evidente disso, sem falar no emocional, na saúde.

Nossas experiências práticas e emocionais dependem do desenvolvimento de nossa inteligência, sensibilidade e ética, ou da falta dele. Essas diferenças criam variações e até distorções, mas não destroem o Cosmos, o que nos permite pensar que não são defeitos do sistema, porém, variações/distorções previstas e incorporadas à sua programação.

E isso tem uma beleza, apesar de frequentemente nos desagradar os olhos ou o sentido ético.

Afinal, por que é que as explicações sobre como tudo funciona teriam de ser básicas ou simples? E por que elas estariam ao alcance de nossa capacidade intelectual presente? Nós, que também somos seres complexos e também não nos entendemos, como microcosmos. Que, frequentemente, cometemos o mesmo equívoco da separabilidade, pensando em nós como seres separados do todo da vida e da consciência.

Com tudo o que o Universo precisa conter para ser como é, ele é muitíssimo mais intrincado do que linhas de um programa que alguém digita em um notebook, numa madrugada de insônia, e que, executando-o, podemos observar numa tela um desdobramento de formas coloridas. Ele é tudo o que aí está, estamos nele sem poder evitar, e ele entra por todos os canais da sensibilidade, nos agita e nos transforma enquanto flui vertiginosamente. (Chega!)

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade IV: Verdade e Crença

Todo conhecimento humano é parcial

Por Rita Foelker


Então, voltamos ao aspecto da crença. Da crença que gera escolhas. Voltamos ao ponto em que há várias possíveis escolhas e que elas estão relacionadas ao que acreditamos. Voltamos a nós mesmos.

Quais nossas opções para crer? A religião se tornou frequentemente tola e irracional, contrariou a ciência. A ciência também desprezou e até atacou frequentemente as visões religiosas. Mas isso não significa que não se possa pensar racionalmente a vida espiritual, o invisível. Kant propôs um jeito de fazer isso...

Algo a se considerar como ponto de partida é que todo conhecimento humano é parcial. Quanto mais ele aumenta, mais descobrimos a imensidade do que não sabemos.
A ciência tem suas limitações. Sua tentativa de explicar a mente apenas como fruto da atividade cerebral, por exemplo, é boa só até a página 2... no máximo, até a 3. As teses materialistas a respeito são reducionistas, não dão conta do que realmente acontece nos processos mentais e, muito menos, da compreensão acerca do que é a mente e a consciência.

Dentro dessa noção de conhecimentos limitados, podemos crer na ciência, entendendo como ela funciona, e também podemos ter uma compreensão espiritual das coisas, sem que elas se choquem ou contradigam.

O erro do espiritualismo ingênuo e do misticismo é querer enxergar implicações científicas de suas crenças onde elas não existem, o que cria relações falsas entre ciência e espiritualidade.

O erro está nas associações indevidas e apressadas que muitos cientistas como Amit Goswami têm feito. Filmes como Quem Somos Nós (2004) e O Segredo (2006) vêm dando a impressão de falar de ciência quando apenas fornecem especulações e bons efeitos visuais em cima de pesquisas que nada têm a dizer sobre atitudes e melhoria de vida, embora apontem nessa direção.

Assim também, a Geometria Fractal abre certa possibilidade de pensar numa Teoria de Tudo, ou, pelo menos, de imaginá-la, mas não serve para confirmar ou provar nada sobre ela. Ela se aproveita do fato de que os cientistas tendem a preferir teorias mais simples e mais bonitas, são influenciados pelos chamados “valores epistêmicos”, embora o mais bonito nem sempre traduza uma verdade científica, sendo até superado pelo mais estranho e complicado.

Não cabe a uma eventual futura Teoria de Tudo, que é científica, permitir ou proibir que se creia no Nada ou em uma Divindade, na beleza ou na simplicidade. O que ela nos dá é perspectiva e, não, o alvo sonhado. Anyway, a ciência ainda tem muito pouco a falar sobre beleza e sobre o efeito dela sobre nós. (Quase...)

domingo, 6 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade III: Ciência e Religião

"O Universo não é regido por ideias em que se deseja acreditar, mas por leis imutáveis"



Por Rita Foelker

No parágrafo anterior introduzimos a religião no caldo da fervura e, consequentemente, acrescentamos a ele Deus ou deuses que são os possíveis responsáveis pela inteligibilidade da Natureza e do Universo.

Muitas religiões têm monopolizado a ideia da divindade e o caminho para chegar a Deus. Mas existe um Deus fora da religião. E a razão é óbvia: se Deus existe, ele existe antes e além das religiões, que são concepções humanas e frágeis. Pois embora muitas se declarem reveladas divinamente, ainda é trabalho humano entendê-las, escrevê-las, pregá-las e praticá-las segundo seu entendimento – ou seus interesses.

Muitos filósofos tentaram compreender e pensar Deus. Leibniz e Espinosa foram alguns. Mas isso não cabe na ciência. É filosofia, é metafísica, que muitos cientistas rejeitam. A ciência só trabalha com entidades admitidas como existentes e não questiona sobre sua causa.

Como escreveu Steven Weinberg, “a única forma de agir possível para uma ciência é supor que não existe intervenção divina e ver até onde se pode ir assim”. A ciência então cresce como um conhecimento variado e discordante, embora fundamentado, e não prega (ou ao menos não deveria pregar) uma verdade única. E também não nos dá escolha evidente entre posições científicas distintas acerca de um mesmo objeto de estudo.

O famoso “princípio da incerteza”, por exemplo. Se concordarmos plenamente com Heisenberg, teremos de discordar de Einstein. Se preferirmos Einstein, começaremos e encontrar falhas no pensamento de Heisenberg. Mas ambas as afirmações são científicas e apoiadas em evidências. Isso muito me agrada em ciência... a diversidade de teorias.

A ciência, mesmo divergente (ou graças à divergência), tem nos levado a lugares e desenvolvimentos espetaculares. Crer na ciência é mais que uma questão de fé, mas de estudo da história e observação.

Na ciência em si mesma, contudo, nada pode garantir a ação de Deus ou do acaso. Enquanto alguns cientistas notáveis assumiram a fé e a intuição espiritual, outros aderiram ao ceticismo e ao pragmatismo em suas vidas pessoais...

Isaac Newton, que fundou a Física Clássica, afirmava que “a gravidade explica os movimentos dos planetas, mas não pode explicar quem colocou os planetas em movimento. Deus governa todas as coisas e sabe tudo que é ou que pode ser feito.” Albert Einstein, célebre autor da Teoria da Relatividade, dizia crer no Deus de Espinosa e, sobre a religião, ele declarou: “Não creio no Deus que recompensa o bem e castiga o mal. Meu Deus cria leis que se encarregam disso. Seu Universo não é regido por ideias em que se deseja acreditar, mas por leis imutáveis.”

Quer dizer que para ser crente ou ateu não se pode invocar uma justificativa científica. E que você pode ser um cientista genial e respeitável que considera a inteligibilidade do Universo como manifestação da inteligência divina e Deus como o Incrível Geômetra, tanto quanto o outro cientista genial pode defender a coincidência e o acaso. Isso não faz de ninguém um “panaca místico” e nem um “ateu bobão”. (Mas não para por aí.)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade II: Geometria Universal

A influência da geometria sobre o pensamento cosmológico é antiga

Por Rita Foelker 



Uma Teoria de Tudo é um sonho antigo na História da Ciência, cuja realização se afasta, quanto mais perto se chega dele. Hoje ela é só uma hipótese e vem se comportando como um horizonte à distância, convidando a atingi-lo, porém escapando pra mais longe a cada passo que se dá.

A dificuldade em atingir essa unificação está em colocar juntas as quatro forças reconhecidas no Universo: a gravidade, o eletromagnetismo, a eletrofraca e a eletroforte. (As duas últimas atuam no interior do átomo.)

Mas imaginar que existe algum jeito de conectar tudo e entender a dinâmica de todos os movimentos cósmicos já estava na mente do jovem Johannes Kepler (1571-1630), com seu "Mysterium Cosmographicum", que levava em conta as distâncias entre os planetas e usava os cinco sólidos de Platão para explicá-las. O próprio Platão (427-347 a.C.) na Antiguidade já havia associado esses poliedros à constituição do mundo, aos cinco elementos conhecidos: terra, água, fogo, ar e éter.

A tese de Kepler era uma nova tentativa de unir a estrutura do Universo às regras da geometria e essa ideia realmente entusiasmou o rapaz, pois lhe parecia um modo de penetrar a mente de Deus. O modelo era defensável, enquanto havia apenas seis planetas conhecidos e os cinco poliedros regulares se colocavam entre eles. Perdeu o sentido, porém, a partir da descoberta de Saturno e Netuno.

A influência da geometria sobre o pensamento cosmológico também fica nítida noutro momento da pesquisa de Kepler, na dificuldade em abandonar a noção de órbitas planetárias circulares (o círculo era considerado uma forma perfeita), para admitir as órbitas elípticas que conhecemos hoje.

A geometria fractal tornou possível sonhar novamente com essa beleza unificada do Universo.

Fractais são tipos de estruturas geométricas ou físicas divididas em partes semelhantes à original, mas nunca totalmente idênticas, cuja semelhança se reproduz em diferentes níveis de escala.

Visualmente, o objeto fractal apresenta um número indeterminado de formas reduzidas, semelhantes a ele próprio.

Em termos de Teoria de Tudo, como um fractal pode ser gerado a partir de uma função iterativa (linguagem de programação) que produz repetições sucessivas e alterações em tamanhos variados, isso faz pensar numa lei que cria o imensamente grande, como as galáxias, e vai se reproduzindo até o infinitamente pequeno, como o átomo etc.

Hoje já temos um pequeno ramo de pesquisa cosmológica que se chama Cosmologia Fractal, ainda tateando, intuindo uma solução, mas sem chegar a ela.

Mas a pergunta persiste: o que faremos da desarmonia que nos encontra os sentidos?

Talvez a solução seja humanamente inatingível. E ainda estejamos, como Humanidade, na idade de criar problemas e, não, de resolvê-los.

Isso nos leva à religião, o repositório das respostas sobre o que desejaríamos saber, mas que não vamos entender, se for muito complicado. A religião traz respostas que são ora ingênuas, ora incompletas, ora absurdas. Por isso ela faz gente inteligente duvidar de Deus e acaba sendo um tipo de fuga, uma ideia cheia de falhas que aceitamos como verdadeira para nos sentirmos mais seguros e confortados em meio à perplexidade e à luta cotidiana. (Não terminei com isso ainda.)

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Divagações entre o Belo e a Verdade I



A beleza tem um poder que quase impede de pedir explicações

Por Rita Foelker


Sempre achei fractais fascinantes. Gosto de imaginar que, se realmente chegássemos a uma teoria de tudo e a aplicássemos a um modelo, obteríamos algum tipo de beleza desse tipo. Só que superior. Chamo isso de “mandelbrotear”, numa referência a Benoit Mandelbrot, o polonês que descreveu uma geometria perfeita das irregularidades da Natureza e da economia.

A beleza tem um poder que quase impede de pedir explicações. É até difícil pensar que Kant era um cara tão sistemático que se esforçou enormemente pra teorizar sobre ela sem conseguir clarear o assunto. Também, clarear não era o seu maior talento...

Mas ele nos deixou algo pra ajudar a pensar sobre: as formas da intuição e as categorias. Nosso modo de enxergar, entender e interpretar as coisas.

E elas revelam outra perspectiva, elas nos expõem cotidianamente aos efeitos sensíveis da ganância, da violência, da indiferença pelo sofrimento. E tudo isso é inquestionavelmente feio. Deprimente. Impactante. Doloroso.

É quando eu me pego nessa inconsistência (aparente) do sistema. Se uma teoria de tudo é tão bela, como ela produziria anomalias tão gritantes? Kant diria que a resposta está na liberdade, a causa incondicionada.

Ou também poderíamos dar exemplos de todas as teorias que, no limite, desembocam em paradoxos.

Em Filosofia, paradoxo é uma afirmação que parece contraditória dentro de um sistema e que, no entanto, faz sentido. Em Lógica, a coisa é mais rigorosa: uma afirmação ilógica ou contraditória que é deduzida dentro de um sistema lógico.

Recorrer aos paradoxos seria uma saída mas, certamente, não é uma solução... 

domingo, 29 de junho de 2014

Matrix e os modelos mentais

Cada um de nós vive no mundo de sua mente

Por Rita Foelker - Texto inédito


Foto: Divulgação


Matrix (1999, o primeiro e melhor deles) é um filme que continuam reprisando e que continua fascinando plateias.

Ele tem os ingredientes de filmes de sucesso, incluindo efeitos e ação. Mas o que ele aborda, a meu ver, é um aspecto bem sutil da existência humana. Os modelos mentais.

O filme

Entendo que ele tem três pontos decisivos.

O primeiro é o do combate com Morpheus (Lawrence Fishburne), uma combinação de artes marciais em ambiente virtual em que Neo (Keanu Reeves) termina fisicamente ferido.

O segundo ocorre na antessala do pequeno apartamento de Oracle (Gloria Foster), onde um menino (sugestivamente vestido como um monge) brinca com a forma de uma colher e, quando Neo não consegue modificá-la, a resposta é compreender que “não há colher”.

O terceiro é o do confronto com os atiradores em que Neo simplesmente para as balas, antes de atingi-lo. Numa cena anterior, no terraço de um prédio, ele havia desviado dos tiros, mas agora ele ultrapassa seus conceitos anteriores e acontece um tipo de “iluminação”, onde ele realmente percebe que aquele momento é criado por um programa que está rodando. A verdade é que “não existem balas”...

Tudo é sobre um modelo mental: um modo de “saber” como a realidade funciona e o modo como isso condiciona comportamentos.

Percepção e realidade

Nossa percepção do mundo é um modelo mental, feito de pequenos modelos mentais de objetos e situações que compõem um conjunto complexo a ponto de nos convencer de que o que pensamos é absolutamente real.

É árduo, o processo de compreender que a realidade não é o que está na nossa cabeça. Desse modo, se consegue transcender o modelo.

Em sentido inverso funciona um programa de computador com uma “interface intuitiva”. Ele reflete o modo como a nossa mente funciona, para facilitar o uso. Não vou seguir por esse assunto agora, só lembrar que Matrix era assim, intuitiva. Descobrimos em Matrix Revolutions (2003) que a versão original do programa, em que a vida era maravilhosa e todos eram felizes falhou (não convenceu?) e então o Arquiteto criou outras, até chegar àquela que era baseada em aspectos da psique humana, na qual as pessoas possuíam vidas que eram capazes de aceitar e em que podiam crer...

O professor Donald Norman entende que um modelo mental é um conjunto de crenças sobre como o sistema funciona e dentro do qual interagimos com a realidade.

Talvez a vida virtual nos atraia tanto na medida em que ela corresponde ao que esperamos e cremos. Nesse sentido, ela de certo modo confirma o sentido do “domínio do simulacro”, de Baudrillard, a ideia de que é possível passar a viver numa simulação do mundo que é tão eficiente, a ponto de não mais sabermos o que é real ou não.

O fato é que cada um de nós vive no mundo de sua mente, desafiado pelas circunstâncias da vida exterior a ampliar seu entendimento e melhorar suas ações. Por isso, as aparências enganam: porque nossos modelos são imperfeitos. Por isso, somos surpreendidos por notícias e fatos que chocam e contradizem o que pensamos.

Num curioso experimento apresentado no programa “Truques da Mente” (NatGeo) foi pedido a um grupo de estudantes universitários que desenhassem uma bicicleta. Poucos desenharam uma bicicleta capaz de rodar e fazer curvas. Mesmo considerando a dificuldade com desenho, a capacidade de observação da realidade é testada dessa forma e revela que nossa ideia sobre as coisas é diferente de como elas são de fato.

E para mim é muito claro que essa construção mental complexa nos faça eventualmente sofrer. Neo sentiu falta de ar e até sangrou, na luta com Morpheus.

Então, antes de ficar muito ferido(a), é melhor perguntar “o que é real?”...

Ou antes, “qual programa você está rodando?”...

quinta-feira, 27 de março de 2014

Mediunidade não tem manual de instruções

Como faculdade humana, ela apresenta características que podem variar muito de um médium para outro

Por Rita Foelker -  Texto Inédito

Quando adquirimos um televisor na loja, ele vem acompanhado de um manual. Isso, porque televisores são fabricados em série. Todos os aparelhos, de mesma marca e modelo, funcionam igualmente e espera-se que o usuário encontre, no manual, orientações precisas sobre sua operação e controles.

Mas a faculdade mediúnica não pode ser abordada da mesma forma. Não há condutas padronizadas que levem a sentir a presença dos espíritos ou contatá-los e, nem mesmo, sobre como transmitir o que dizem.
A prática da mediunidade durante muito tempo esteve associada a mistério, a rituais ou a certas visões religiosas. Parecia ser algo totalmente dependente de causas e efeitos sobrenaturais, envolvendo pessoas com poderes ou dons especiais, em circunstâncias muito específicas, com formalismos vários. Esse tipo de visão frequentemente contaminou nosso entendimento acerca das reuniões espíritas e dos médiuns, criando padrões de comportamento ritualísticos.

Contudo, a filosofia espírita encara a mediunidade de um modo bastante diferente... Com a publicação de O livro dos médiuns, de Allan Kardec, em 1861, as potencialidades mediúnicas passaram a ser vistas como capacidades humanas naturais, que existem dentro e fora do contexto ritual ou religioso, e que independem de crença religiosa ou filosófica para produzir fenômenos.

Essa naturalidade, no entanto, não padroniza e nem deve levar a entender que a existência da mediunidade em todos os seres humanos significa que ela é igual em todos os seres humanos. Logo, cabe a cada médium entender e aprender a conviver com a sua própria mediunidade.

Desenvolvimento mediúnico natural

O livro dos médiuns contém instruções muito claras para quem deseja bem entender e exercitar a mediunidade. Uma das suas importantes contribuições à compreensão do tema é considerá-la como uma faculdade natural, que deriva de leis presentes na Natureza e que, portanto, não está limitada a certas crenças ou, mesmo, a práticas que visem “concedê-la”, “desenvolvê-la” ou “manifestá-la”.

A rigor, mediunidade é um tipo de sensibilidade que necessita de observação e análise, para ser compreendida e melhor vivenciada, visto ter caracteres distintos de um indivíduo para outro. Aquilo que um médium percebe, o modo como é registrado, física e/ou intelectualmente, o modo como é interpretado e manifestado para outras pessoas está relacionado a características individuais.

Um estudo que oferece um panorama geral da “variedade infinita de matizes” assumidos pela mediunidade está no capítulo XVI da obra citada, “Dos médiuns especiais”. (Destaca-se o termo “infinita”, escolhido por Kardec.) Lá encontramos médiuns para diferentes efeitos físicos e intelectuais; psicógrafos que diferem quanto ao modo como executam a psicografia; médiuns que se distinguem quanto ao nível de desenvolvimento da faculdade; médiuns que recebem mais facilmente comunicações em prosa ou poesia, com maior clareza ou obscuridade nos conceitos transmitidos; que abordam melhor temas filosóficos ou históricos ou, então, temas triviais, incluindo os obscenos; médiuns que são mais lentos ou mais velozes na recepção das comunicações; médiuns que se distinguem por suas qualidades morais, sendo presunçosos, suscetíveis, invejosos, de má-fé, ou então, humildes, devotados, sérios...

Observam-se diferenças também na intensidade dos efeitos que cada médium obtém. E além do mais, dificilmente um médium apresenta um só gênero de faculdade, existindo combinações numerosas possíveis, entre vários tipos mediúnicos, reunidos numa só pessoa.

Em vista disso, O livro dos médiuns não teria como ser um manual de instruções, nem de fórmulas, nem de receitas. Porque mediunidade não se manifesta sempre igual. E, pelo mesmo motivo, quem procura criar fórmulas e receitas para lidar com a mediunidade revela seu desconhecimento sobre a qualidade peculiar da faculdade mediúnica de cada um.

Por meio do estudo e do conhecimento, adquirido em boas leituras, no convívio com outros médiuns e no próprio exercício mediúnico, e pela própria auto-observação, cada qual vai compreendendo que é responsável pelos seus relacionamentos com os espíritos, pelos seus estados mentais e emocionais serem mais um menos influenciados, e, também, pelas comunicações que transmite. Com a experiência, pode aprender a distinguir seus pensamentos e emoções daqueles que provêm da ligação com os espíritos, o que lhe trará um acréscimo em autoconhecimento. Se bem aproveitar a oportunidade, encontrará também nà mediunidade uma condição que contribui para a sua própria evolução espiritual.